DESPEJO DAS COLETIVIDADES EM LISBOA É CADA VEZ MAIS UMA REALIDADE

Há cada vez mais coletividades em Lisboa em risco de serem despejadas. O tema foi debatido no passado sábado, dia 6 de janeiro, numa ação promovida pelo movimento Porta-a-Porta, na Academia Recreio Artístico, instituição centenária da cidade, e que é mais uma em risco de fechar as portas.

A Academia Recreio Artístico (ARA), na Rua dos Fanqueiros, na baixa de Lisboa, poderá ser a próxima coletividade histórica da cidade em risco de fechar portas. Esta instituição, criada em 1855, é a mais antiga de Lisboa e é a coletividade que organiza a Marcha da Baixa. O espaço foi vendido a um fundo imobiliário e a ARA tem até 2028 para abandonar a sua sede. Desta forma, poderá ficar sujeita ao mesmo destino que o Marítimo Lisboa Clube, entre outras coletividades históricas da cidade que já encerraram as suas portas.

A razão para a perda destas entidades, que outrora foram espaços de convívio e de agregação da comunidade, está na especulação imobiliária. A questão foi debatida no passado sábado, 6 de janeiro, na sede da ARA, num debate promovido pelo Movimento Porta-a-Porta – que defende o direito à habitação. Esta sessão contou com a presença de cidadãos e dirigentes associativos, que partilharam os seus testemunhos e opiniões sobre este flagelo.

Para além da ARA, outra associação em risco iminente de fechar portas é a organização Sirigaita, nos Anjos. Este coletivo, explicou uma das porta-vozes, Catarina Carvalho, junta vários movimentos que trabalham em diversas questões sociais. O prazo para abandonar a sede é até ao dia 1 de fevereiro. Esta organização realizou, no passado mês de dezembro, uma visita guiada pelos vários espaços que estão a ser vítimas da pressão imobiliária em Lisboa.

Por sua vez, Ana Gago, outra porta-voz da Sirigaita, reforçou que “estamos cada vez pior. Estamos a perder terreno e, por isso, todas as frentes são necessárias”. Uma das medidas para travar o problema, defende, passa pela criação de um referendo pelo direito à habitação. Para já, o coletivo encontra-se a recolher assinaturas para levar a questão à Assembleia Municipal de Lisboa.

Coletividades são essenciais para promover a cultura e o desporto na comunidade

Por outro lado, os vários intervenientes neste debate defenderam as coletividades como pontos de encontro e de promoção da cultura na cidade. Joaquim Escoval, Secretário-Executivo na Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto (CPCCRD), reforçou, neste aspeto, que o encerramento de associações e coletividades locais “traz consequências para a cultura e o desporto”. Na sua perspetiva, isto leva a que as comunidades fiquem sem espaços onde conviver.

“As associações são importantes para os jovens”, reforçou o representante da CPCCRD. Ao mesmo tempo, Joaquim Escoval lembrou que, só na cidade de Lisboa, existem “48 mil casas devolutas”, onde estas coletividades poderiam instalar as suas sedes. A mesma ideia foi defendida por Luís Mendes, do Movimento Morar em Lisboa. Assim, considera que a autarquia de Lisboa deve adquirir estes edíficios devolutos, requalificá-los, e cedê-los às coletividades em regime de contrato de comodato.

Autarquia pode subarrendar os espaços às coletividades, defende vereadora do PCP

Por outro lado, Ana Jara, vereadora do PCP na Câmara de Lisboa, defendeu, no mesmo debate, que a autarquia deve intervir na reabilitação dos espaços onde estão instaladas as associações. De igual forma, pode ainda proceder ao arrendamento dos imóveis aos proprietários e subarrendá-los depois a estas instituições, para que elas se mantenham nas suas sedes. “Estamos muito atentos à situação, e temos noção que houve muitos despejos e fim de associações nos últimos anos”, referiu a vereadora ao Olhares de Lisboa, no final do encontro.

Centro de Enfermagem Queijas

Ana Jara revelou ainda que a CML já interviu no caso de algumas entidades. Algumas delas são, por exemplo, a Sociedade de Geografia ou o Clube Eça de Queiroz. Nestes dois casos, a autarquia assumiu o pagamento das rendas mensais, subarrendando os imóveis a estas entidades. “Pode ser uma solução” para travar o fecho de coletividades centenárias, admite a vereadora, que defende também “uma renegociação” com os novos proprietários dos espaços.

Mais protecção

“No caso da ARA, o prédio foi vendido a um fundo e o projeto não prevê a existência da coletividade”, conta Ana Jara. Desta forma, reforça que, assim, a Câmara de Lisboa deve intervir, obrigando os novos proprietários dos espaços onde estão instaladas as coletividadas a mantê-las. “É preciso criar instrumentos legais e é importante que seja agora”, uma vez que a autarquia está em vias de começar a discussão para o novo Plano Diretor Municipal (PDM). “No futuro PDM, temos que acabar com a liberalização dos usos dos imóveis”, acrescenta ainda a vereadora comunista.

Por fim, e na perspetiva de Joaquim Escoval, que não sabe precisar quantas coletividades encerraram nos últimos tempos, “as autarquias devem apoiá-las com a realização de obras, isenção de taxas, ou até mesmo com a classificação dos imóveis como coletividade de interesse municipal”, contou ao Olhares de Lisboa. Contudo, defende ainda que o primeiro passo é “assumir estas instituições como locais essenciais para a comunidade”, e não como meros locais “onde se está a jogar às cartas”, por exemplo.

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