Dino Carvalho é ensaiador, desde 2012, da Marcha do Bairro Alto, juntamente com a esposa, Carla Fonseca. Em entrevista ao Olhares de Lisboa, revela que uma coreografia demora cerca de dois meses para ser trabalhada e que tudo é pensado em conjunto, desde as músicas, passando pelas coreografias até aos figurinos.
A dupla Dino Carvalho e Carla Fonseca, ensaiadores desde 2012 da Marcha do Bairro Alto, começaram nestas lides no ano anterior, 2011, com a Marcha de Belém. Anteriormente, o casal pertenceu a um grupo de dança, intitulado ‘Sonho a Dez’, formado em 1992. Em paralelo, integrou ainda os corpos dirigentes do Ateneu da Madre Deus, no Beato, onde foram coordenadores daquela marcha. A experiência e o conhecimento adquiridos fez com que ambos se propusessem para ensaiar outras marchas. “A Marcha de Belém foi a única que aceitou o nosso projeto”, revela Dino Carvalho ao Olhares de Lisboa. Nesse ano, o bairro ficou em 16º lugar, e não conquistou nenhum prémio de categoria.
No ano seguinte, Dino e Carla passaram a ensaiar o Bairro Alto, que, nesse ano, conquistou o quarto lugar no concurso das Marchas Populares de Lisboa. O casal, natural de Lisboa, faz isto como passatempo, uma vez que Dino trabalha na área do Turismo e Carla na área da Administração. Dino Carvalho explica que os ensaios, no caso do Bairro Alto, começam sempre a 1 de abril, cerca de dois meses antes da primeira exibição. Contudo, a preparação começa muitos meses antes, em setembro. Esta antecipação serve para que haja tempo para “se contratar, costurar, ver os valores do cavalinho e da cenografia”, explica o ensaiador.
Equipa pensa tudo em conjunto
Dino Carvalho e Carla Fonseca estão integrados numa equipa que pensa, em conjunto, em todos os aspetos da marcha, desde a música, passando pela letra, até aos figurinos e a cenografia, e todos contribuem com as suas ideias. Para além do casal, contam ainda com José Condeça (letra e cenografia) e Paulo Miranda (figurino). “Fazemos questão de estar presentes em todos os aspetos da marcha e é assim que a nossa equipa funciona. Acho que é muito importante a equipa estar toda em sintonia”, explica o ensaiador. Por sua vez, a coreografia é desenvolvida com base nas músicas e nas ideias pensadas para aquele ano. “Isso é meio caminho andado para se criar um bom projeto”, salienta.
Já as ideias, essas podem surgir em qualquer lado, até porque “os temas típicos estão nas ruas de Lisboa”. Dino Carvalho sublinha ainda a grande união, não só entre a equipa técnica da Marcha do Bairro Alto, mas também entre os marchantes, que já desfilam por esta marcha há muitos anos. “Apesar de existirem algumas flutuações e saídas de membros, o núcleo duro já existe há muitos anos”, acrescenta. Desta forma, admite o ensaiador, torna-se mais fácil apresentar e desenvolver as ideias. “Nós sabemos que eles [os marchantes] conseguem fazer aquilo que nós pedimos e eles já conseguem ter uma ideia daquilo que nós queremos fazer”, sustenta Dino Carvalho.
Bairro Alto estreou-se no primeiro ano das Marchas Populares
Porém, admite que a parte mais díficil de ensaiar uma marcha “é gerir 50 pessoas diferentes, com ideias diferentes”. Em 2023, o Bairro Alto conquistou o segundo lugar nas Marchas de Lisboa com o tema ‘Falas, Falas e Eu Borrifo-me’, que contava a história do perfumista da Travessa da Água-de-Flor. “O segundo lugar, apesar de ser um bom lugar, é sempre uma desilusão, porque nós queremos ganhar as Marchas de Lisboa”, revelou Dino Carvalho. O ensaiador lembra ainda que o Bairro Alto é uma das marchas pioneiras do concurso, que começou em 1932, e que, até ao momento, nunca venceu o primeiro lugar. Contudo, já conquistou várias categorias especiais.
Nos últimos seis anos, “vencemos três prémios de Melhor Desfile na Avenida”, onde uma delas foi precisamente em 2023. O ano que Dino Carvalho gostou mais de fazer, enquanto ensaiador da Marcha do Bairro Alto, foi 2016. “Foi uma marcha inovadora, quase que nos disseram que não era uma marcha. O tema era ‘Bairro Alto Marca a Hora Por Esta Lisboa Fora’ e mostrava a importância do tempo nas nossas vidas”, recordou o ensaiador, referindo que esta “foi a maior desilusão” que teve, porque acreditava mesmo que a marcha iria vencer o concurso naquele ano e ficou em sexto lugar.
Tema da Grande Marcha de Lisboa é o Tejo
Uma coreografia é preparada em cerca de um mês e meio e começa com a definição da primeira marcação. Uma marcação é um movimento associado à coreografia e pode ser, por exemplo, “um coração, uma linha ou um hexágono”. Este ano, o tema da Grande Marcha de Lisboa é o Tejo, assunto que Dino Carvalho já trabalhou várias vezes.
“Acho que foi um tema arranjado à pressa, porque acho que há poucos assuntos para explorar”, explica o ensaiador, admitindo que, contudo, a Marcha do Bairro Alto “nunca aborda o tema central” das Marchas, excepto nas marcações. “Gostei muito mais do tema do ano passado [Parque Mayer], porque há uma panóplia de opções”, admite.
Pouca divulgação das exibições na Altice Arena, considera
“Quando acabamos a primeira marcação, passamos para a segunda”, e assim sucessivamente até à quarta e última marcação. À medida que o grupo vai evoluindo para as novas marcações, os erros das anteriores são corrigidos. Os últimos 15 dias de ensaios são reservados para afinar todos os pormenores da coreografia e aperfeiçoá-la.
Uma marcha completa, adianta Dino Carvalho, custa à volta de 45 mil euros. A Marcha do Bairro Alto é organizada pelo Lisboa Clube Rio de Janeiro e, para além dos apoios da autarquia, conta ainda com um apoio financeiro da Junta de Freguesia da Misericórdia, para fazer face aos custos. Na opinião de Dino Carvalho, as Marchas de Lisboa “são o ponto alto das festividades do Santo António em Lisboa”.
“No ano passado, segundo a EGEAC, estiveram 140 mil pessoas a assistir ao desfile” na Avenida, salientou o ensaiador. Mas antes deste desfile, há ainda as exibições na Altice Arena, cada uma com 20 minutos, e onde é possível ver, pela primeira vez, o resultado de meses de trabalho. “Eu acho que as exibições no Altice são pouco divulgadas” pela EGEAC, lamenta Dino Carvalho, reforçando que, se existir mais divulgação, existe mais público no pavilhão, o que é fundamental para apoiar e incentivar os marchantes.
Grupo de marchantes para 2024 já está fechado
“É muito importante para o grupo sentir a presença de quem os apoia, porque estamos a representar um bairro”, sustenta. Para Dino Carvalho, “todas as pessoas de Lisboa, uma vez na vida, deviam descer a Avenida com uma marcha”, não só para fazer parte da tradição, mas também para viver esta experiência, que “é uma sensação indescritível”. No caso do Bairro Alto, a marcha já tem o grupo formado para 2024.
“Geralmente temos 40 mulheres e 30 homens” interessados em participar na marcha, e que são sujeitos a uma seleção. Os escolhidos vão substituir marchantes que, por algum motivo, tiveram de desistir. “Não aceitamos pessoas que não saibam marchar. Quem vem para o Bairro Alto tem de ter alguma experiência de marcha”, adianta o ensaiador. Quem não tem, explica, é incentivado a inscrever-se noutras marchas lisboetas, uma vez que existem grupos que têm dificuldade em arranjar membros, “sobretudo homens”.
N.R: editado dia 28/02/24 às 17h44