Rogério Alves critica o “aproveitamento totalmente absurdo” das declarações do autarca de Loures. “Não se percebe a razão de tanta fúria”. Já os presidentes de concelhia do PS na Área Urbana de Lisboa e as Mulheres Socialistas de Loures endereçaram cartas de apoio a Ricardo Leão, insurgindo-se contra as posições assumidas por alguns responsáveis socialistas. No meio da polémica, Leão já garantiu que Loures não aprovará um regulamento contrário à lei e à Constituição
O antigo Bastonário da Ordem dos Advogados e comentador da CNN, Rogério Alves, diz ter ficado “muito surpreendido” com o “aproveitamento totalmente absurdo” das recentes declarações do presidente da Câmara de Loures, Ricardo Leão, que defendeu o despejo das casas municipais de condenados por desacatos públicos.
O comentador, residente no concelho, afiança que Ricardo Leão “é um autarca com um belíssimo trabalho realizado”, admite que a declaração “não foi muito feliz”, mas explica como o regulamento de habitação de Loures impõe regras aos arrendatários que podem ter sido violadas nos desacatados que ocorreram há umas semanas naquela região de Lisboa.
Do ponto de vista de Rogério Alves, esta foi apenas uma afirmação bombástica, tipicamente política sem consequências práticas.
Esta posição de Rogério Alves reforçou as posições assumidas por dirigentes socialistas de apoio a Ricardo Leão. Os presidentes de concelhia do PS na Área Urbana de Lisboa estão solidários com o autarca de Loures, mostrando “descontentamento” face às críticas a Ricardo Leão, que ameaçou despejar inquilinos de habitações municipais com participação nos recentes distúrbios.
Na carta conjunta dos presidentes de concelhia da Federação da Área Urbana de Lisboa (FAUL) do PS, a que a Lusa teve esta quinta-feira acesso, destaca-se “a valia” do trabalho autárquico de Ricardo Leão e “os anos de dedicação ao Partido Socialista”.
Os signatários entendem que os acontecimentos dos últimos dias – que se seguiram às declarações feitas pelo autarca de Loures, em reunião de câmara no dia 30 de outubro, ameaçando de despejo os inquilinos de habitações municipais com participação nos recentes distúrbios em bairros da Área Metropolitana de Lisboa, após a morte de Odair Moniz, baleado por um agente da PSP – não podem “manchar um percurso cívico, político e associativo relevante e legitimado”.
Descrevendo o presidente da Câmara Municipal de Loures como “humanista e solidário”, os presidentes de concelhia sublinham ainda que a FAUL deve respeitar a autonomia dos órgãos autárquicos “e a ousadia dos seus projetos”.
Mulheres socialistas de Loures estão com Ricardo Leão
No mesmo sentido, as Mulheres Socialista de Loures endereçaram uma carta de apoio a Ricardo Leão, datada de dia 5, contrariando as declarações das Mulheres Socialistas nacionais, que fizeram uma publicação na rede social Facebook, no dia 2, intitulada “A praga do populismo infiltra-se em todo o lado”.
No texto, sem qualquer referência direta a Ricardo Leão, as Mulheres Socialistas rejeitam “qualquer tipo de discriminação” e recordam que o PS “tem uma história a defender” e que, “numa sociedade democrata, que se pauta pela defesa dos direitos humanos, há limites que não podem ser ultrapassados”.
Manifestando “desagrado e estupefação” com a publicação, que consideram “ser um ataque a um autarca socialista idóneo”, as socialistas de Loures escrevem: “Declaramos o nosso apoio incondicional ao presidente da Câmara de Loures, Ricardo Leão, e lamentamos profundamente a tomada de posição pública da presidente das Mulheres Socialistas.”
Já antes das Mulheres Socialistas, a líder parlamentar do PS alertara, numa publicação na rede social X, que “um regulamento municipal não pode nunca introduzir penas acessórias, sobretudo quando ponha em causa direitos fundamentais e princípios como a dignidade da pessoa humana e a proporcionalidade”.
Também sem fazer referência direta a Ricardo Leão, Alexandra Leitão salientou que “determinar a aplicação de penas acessórias a quem comete crimes, mesmo após o trânsito em julgado, é uma opção exclusiva do legislador e, mesmo assim, muito limitada pela Constituição”.
Governo com autarca de Loures
As declarações de Ricardo Leão já foram publicamente criticadas por vários socialistas, nomeadamente pelo ex-primeiro-ministro António Costa, que coassinou um artigo de opinião com José Leitão e Pedro Silva Pereira, pelas deputadas Cláudia Santos e Isabel Moreira, pelo ex-ministro da Educação João Costa e pelo eurodeputado Francisco Assis.
Mas, no próprio dia em que António Costa condenou a atitude que Pedro Nuno Santos teve em relação ao autarca de Loures, considerando, num artigo de opinião, que não há “calculismo tacticista” que possa desvalorizar os valores do PS, o Governo saiu em defesa de Ricardo Leão, o presidente da Câmara Municipal de Loures.
No final da reunião do conselho de ministros, António Leitão Amaro foi questionado sobre a decisão do PSD em Loures – que votou favoravelmente, tal como o PS, a recomendação do Chega para que as pessoas que cometem crimes fossem despejadas de casas camarárias. O ministro da Presidência recusou comentar assuntos partidários locais, mas deixou elogios ao trabalho de Ricardo Leão à frente da autarquia de Loures, dizendo que tem sempre como objetivo melhorar a vida das pessoas.
“Não me quero imiscuir no debate político local, entre as forças políticas locais, mas há um foco, que eu creio que partilhamos e que eu tenho ouvido por parte do presidente da Câmara de Loures, de procurar trabalhar no reforço e na melhoria da qualidade de vida e da vida concreta das pessoas, na habitação, na integração, no acesso à saúde, no acesso à educação e na segurança”, responde.
Depois das primeiras declarações, em 30 de outubro, o presidente da Câmara de Loures veio esclarecer que estava a falar apenas dos que forem condenados, assegurando que o município “irá sempre cumprir a lei”.
Na sequência da polémica, Ricardo Leão demitiu-se, na quarta-feira, da presidência da FAUL do PS. “Continuarei a trabalhar no exercício do meu mandato popular como presidente da Câmara Municipal de Loures”, garantiu.
Já depois do anúncio da demissão de Ricardo Leão da presidência da FAUL, o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, recusou ter desvalorizado as declarações do autarca socialista de Loures e disse que apenas quis evitar fazer o seu “julgamento na praça pública” e resolver a questão internamente.
“O executivo de Loures aprovou (com o voto contra da CDU) uma recomendação proposta pelo Chega para alterar o regulamento municipal de habitação, permitindo despejar de casas municipais quem comete crimes.
Loures não aprovará regulamento contrário à lei
Entretanto, o presidente da Câmara Municipal de Loures, Ricardo Leão afirmou esta quinta-feira que “não abdica dos princípios de direitos e deveres para todos” e assegurou que não aprovará qualquer regulamento “que seja contrário à lei e Constituição”.
Ricardo Leão falava durante a reunião da Assembleia Municipal de Loures durante a discussão de uma proposta da CDU para anular uma recomendação do Chega que visa a alteração do Regulamento Municipal de Habitação, de forma a permitir uma pena acessória de despejo a quem seja comprovadamente culpado de ilícitos. A proposta comunista viria a ser reprovada com os votos contra do PS, PSD, Chega e IL.
Ricardo Leão, que não fez qualquer comentário à polémica que foi gerada pelas suas declarações, aproveitou a sua intervenção para destacar o trabalho que o seu executivo tem feito em matéria de habitação e para criticar a “herança comunista” no município.
“Quando se diz que nós não temos políticas sociais. O que nós encontrámos em 2021 foi uma habitação social degradada. Chovia lá dentro e não havia dignidade. É este executivo que está a reabilitar estes fogos, para que estas casas possam ter dignidade”, vincou.
A finalizar a intervenção, Ricardo Leão assegurou que a autarquia não irá aprovar “qualquer tipo de regulamento que seja contrário à lei e à constituição”.