“Em Loures não há assuntos tabus”

Ricardo Leão entrou no centro da polémica depois de declarações em relação ao despejo de pessoas que vivem em casas de habitação pública. Em entrevista à CNN, o presidente da Câmara Municipal de Loures desvalorizou as críticas de dirigentes do PS, incluindo as de António Costa, à sua sugestão de despejo “sem dó nem piedade” aos envolvidos nos distúrbios que se seguiram à morte de Odair Moniz. O autarca, que refere que o humanismo, solidariedade e inclusão são valores que muito preza e pelos quais têm pautado a sua conduta pessoal, profissional e política, revela que os despejos de inquilinos nos bairros municipais que não pagam rendas vão mesmo acontecer.

Em entrevista à CNN Portugal, o presidente da Câmara Municipal de Loures, Ricardo Leão, que foi protagonista da polémica dos despejos “sem dó nem piedade” de moradores em bairros municipais envolvidos em desacatos na Grande Lisboa, elogia o discurso de Pedro Nuno Santos sobre imigração, considerando que “toda a gente” no partido pensa como ele e defende que “não há problemas de esquerda e de direita”.

“Fiquei surpreendido pela coragem que o secretário-geral teve num tema que é delicado. Fiquei contente por ser ele a colocar o tema. Não deve haver temas-tabu ou temas propriedade de ninguém. Os decisores políticos têm de encontrar respostas e soluções para todos os problemas. Dizer que este tema é propriedade da extrema-direita, da direita ou do A, B ou C, para mim, não pega mesmo. Foi importante o secretário-geral introduzir e recentrar este tema porque estava a ser discutido muito misturado com a segurança. Não é assim que se trata das coisas. Colar as duas iria dar mau resultado”, afirma.

Para Ricardo Leão, “o PS não deve enfiar a cabeça na areia e não ter soluções para problemas chamados delicados. O pior que podia acontecer era o PS ter falta de comparência”.

Costa foi injusto

A divisão no PS é um tema que “custa muito” a Ricardo Leão, que se colocou no centro da polémica depois de ter sugerido o despejo “sem dó nem piedade” de inquilinos de habitações municipais que tenham participado na onda de desacatos ocorrida em Lisboa na sequência da morte de Odair Moniz. O tema foi de tal forma discutido que o próprio António Costa veio dizer que a posição do autarca “ofende gravemente os valores do PS”.

Mantendo a sua matriz socialista, de justiça e equidade, “em que todos temos direitos e deveres, pois, só dessa forma podemos almejar uma sociedade mais justa”, Ricardo Leão reconheceu que a frase “foi de facto polémica”, reconhecendo que as afirmações foram proferidas “num momento menos feliz” e não refletem o que quis dizer e “muito menos” o que pensa.


“Deveria ter sido mais claro na minha comunicação. Aceito e reconheço isso. Mas não posso aceitar ser condenado por uma frase menos feliz. Humanismo, solidariedade e inclusão são valores que muito prezo e que têm pautado a minha conduta pessoal, profissional e política. São valores que fazem de mim um homem de esquerda”, disse. “É retirar o ‘sem dó nem piedade’, tudo o resto defendo na íntegra”, sublinhou.

António Costa e Ricardo Leão ainda não falaram desde essa altura, mas o homem que lidera o sexto concelho com mais habitantes em Portugal (cerca de 207 mil) entende que o ex-primeiro-ministro foi injusto consigo.

“Tenho a plena certeza de que aquele texto nem foi escrito por ele. António Costa, como pessoa inteligente que é, se ouviu bem as minhas declarações, eu não coloquei nenhuma questão sobre imigração”, começou por dizer no CNN Entrevista com André Carvalho Ramos, numa referência ao artigo publicado a 6 de novembro no jornal Público, intitulado “Em defesa da honra do PS”, e que é assinado por António Costa, José Leitão e Pedro Silva Pereira.

Ricardo Leão achou “estranho”, reiterando que “alguém escreveu o texto por ele e ele assinou”, num assunto que já está “digerido”, mas que não é esquecido pelo autarca, que se prepara para voltar à corrida eleitoral nas Autárquicas deste ano.

Ricardo Leão achou “estranho”, reiterando que “alguém escreveu o texto por ele e ele assinou”, num assunto que já está “digerido”, mas que não é esquecido pelo autarca, que se prepara para voltar à corrida eleitoral nas Autárquicas deste ano.

Para o presidente da Câmara Municipal de Loures é preciso distinguir imigração e segurança, saudando o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, por “recentrar” a discussão na questão da imigração, que deve ser debatida de “forma isolada da segurança”, que não diz apenas respeito aos bairros, mas a todo o país.

“Quem discute imigração e segurança dentro do mesmo bolo está a cometer um erro enorme e não se vai resolver nada”, sublinhou, salientando que “este é um território que não pode ficar só para a extrema-direita debater”.

Sobre as críticas internas, Ricardo Leão ressalvou que “em nenhum momento” o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos”, pôs em causa o seu trabalho autárquico e sublinhou o “voto de confiança e de enaltecimento” feito pela comissão política da FAUL.

Pagamento de rendas é obrigatório

O autarca de Loures, que destacou o trabalho que tem sido feito no concelho para “encontrar o justo equilíbrio de uma resposta solidária inclusiva e responsável”, confirmou que a Câmara de Loures mantém o plano de despejar os agregados em habitação municipal que não responderam à proposta da regularização das rendas em dívida, o que abrange 550 famílias, confirmou o presidente do município.

Ricardo Leão recordou que o pagamento das rendas pode ser faseado e, por isso, não acreditar que “mesmo a situação social mais delicada que possa haver não consegue pagar em 60 prestações” e anunciou que estão em curso notificações para despejo de 20% dos inquilinos que não pagam rendas camarárias, denunciando casos de irregularidades de alugueres. “O titular do contrato já nem sequer cá está e subalugou ao outro”, revela Leão.

“Quando cheguei à Câmara de Loures, no parque de habitação municipal de 2500 fogos, 55% dos inquilinos não pagavam renda. Eu tinha 14 milhões de euros de dívida. Naquilo que compete a um presidente de Câmara, eu vou sempre zelar para que haja direitos para todos, mas também haja deveres e obrigações e responsabilidades para todos. Estamos a falar de rendas de 4, 5 euros, que foram atualizadas, já por mim, para 10 euros. Há rendas mais altas, mas a grande maioria é esta. Nós baixámos de 55% de incumpridores, dados de hoje, para 20% de incumpridores através de um plano de regulação de dívida. Fui muito criticado, mas já ouvi Alexandra Leitão a dizer que também concorda com direitos e deveres”, revela Ricardo Leão, justificando assim os despejos que brevemente vão ser efetuados pela autarquia.

“Esses 22% não responderam a todas as diligências da Câmara, quer presenciais, quer por carta. Temos que entrar com os processos judiciais de despejo, é óbvio”, constatou o autarca, salientando que “os discursos populistas alimentam-se disto. Sem racismo, sem xenofobia, para mim não importa se é branco, se é negro, se é indiano, tem é que cumprir e estão a cumprir.

“É que nem sequer responderam às cartas”, salientou, referindo-se aos 22% que continuam sem regularizar as rendas em dívida, admitindo que “não querem responder” por estar em causa, por exemplo, “a ocupação de casas”.

“Estive dois anos a insistir com as pessoas para regularizarem a sua situação e nem sequer responder. Vão ser despejados e já estou a iniciar os processos jurídicos”, sublinhou, defendendo, ainda assim, um “lado humanista”, já que a lista de espera de pessoas que precisam deste apoio aumenta todos os dias.

“Vou permitir que 20% que nem sequer se dignaram a responder à câmara ocupem estas casas? Não”, acrescentou, referindo que não espera um renovar de críticas por parte do PS.

Segurança

Assumindo que pode aceitar propostas de outras forças políticas que contribuam para o bem-estar da população, o autarca de Loures admite que existe um problema de segurança no concelho, revelando dados que mostram que aumentaram a criminalidade violenta e a juvenil grupal. Leão diz que a resposta está no policiamento de proximidade e anuncia a compra de 12 viaturas novas para a Polícia de Segurança Pública pagas com o orçamento municipal.

“Nós temos um problema de falta de meios na PSP, mas já existia, tanto no Governo anterior, como neste. Em Loures temos uma área geográfica, com mais de 160 mil pessoas, onde a PSP atua, onde temos três ou quatro viaturas. Fomos obrigados a fazer uma aquisição e colocar mais 12 da PSP porque, caso contrário, não havia viaturas para ir para o terreno. Digo com toda a frontalidade, a mim o que me importa é que a segurança na rua seja efetiva, e seja atuante”, defende.

Passando diretamente às suas declarações sobre os desacatos, Ricardo Leão referiu que anda “na rua”, algo que fez também naquela fase, por vezes “até às quatro da manhã”. “Assisti àquele motorista da Carris a ser alvo de uma tentativa de homicídio”, disse, lembrando o caso do homem que conduzia um autocarro e contra quem foi atirado um cocktail molotov, colocando a vítima em estado grave e com sequelas para o resto da vida.

Não há temas tabus

Questionado sobre a eventual existência de um problema nos bairros sociais, Ricardo Leão entende que não. “Em Loures não há assuntos tabus”, garantiu, para depois reiterar que foi importante que Pedro Nuno Santos tenha trazido para a sua agenda política a questão da imigração, sob pena de ficar com “falta de comparência” nesta área.

“A imigração faz falta. Em Loures, tínhamos uma população estrangeira de 20 mil pessoas em 2021, nos censos de 2023 passou para 32 mil pessoas. Isto criou desafios, nomeadamente, na habitação. Tem de haver também legislação que proteja os imigrantes de explorações de que poderão ser alvo”, garante.

Esse mesmo tabu, criticou Ricardo Leão, foi herdado dos tempos em que foi a CDU, com Bernardino Soares, a estar ao leme da autarquia. “Não há assuntos tabus, é agarrar no assunto e resolvê-lo”, acrescentou, afirmando que não tem medo de cair numa aparente deriva populista, até porque não há assunto nenhum que diga respeito apenas a uma área ideológica.

“As pessoas estão muito cansadas e temos de mostrar que não é a extrema-direita a única capaz de resolver os problemas que existem”, reiterou.

As pessoas estão preocupadas com a questão da segurança. Embora os dados digam que a criminalidade no geral baixou, em Loures aumentou a criminalidade violenta e a criminalidade juvenil grupal. Um autarca não deve ignorar aquilo que vai ouvindo na rua.

Há um sentimento muito grande de insegurança que pode ser resolvido pelo policiamento de proximidade. É por isso que nós vamos adquirir mais viaturas. Vamos dar 12 viaturas à PSP, não é da nossa responsabilidade fazê-lo, mas é um contributo que o município de Loures vai dar para permitir esse maior aumento de policiamento de proximidade. E vamos ficar com a manutenção de mais seis viaturas.

Vida complicada para Alexandra Leitão

Na mesma entrevista, o presidente da Câmara de Loures, Ricardo Leão, antevê que a vitória de Alexandra Leitão na corrida à câmara de Lisboa “não vai ser uma tarefa fácil, mas não é uma tarefa impossível”, avisando a ainda líder parlamentar que “vai perceber que ser líder parlamentar de um partido com a importância do Partido Socialista é diferente de ser candidata à câmara”, registando ainda a mudança de posição da líder parlamentar socialista sobre imigração.

Ricardo Leão afirma que vai continuar a “seguir a minha consciência e as minhas convicções, sempre em defesa do interesse da população do concelho de Loures”.

Estamos com um problema gravíssimo em toda a área de Lisboa e no país, que é importante que se fale também que é a população escolar. Em Loures, em cerca de 24 mil alunos, 5 mil alunos são oriundos de países estrangeiros. 3 mil não falam a língua portuguesa. É uma dificuldade acrescida de integração e de aprendizagem desses alunos.

Estou a fazer protocolos com as comunidades hindus, com a comunidade islâmica, abrir as escolas ao fim do dia e ao sábado para que essas crianças possam aprender a língua portuguesa. Mas devia haver uma medida nacional.

 

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