“Queremos estar mais próximos das coletividades”, afirma o novo presidente da ACCL

A Associação das Coletividades do Concelho de Lisboa (ACCL), com 23 anos de história, tem uma nova direção, liderada por Artur Botão. Os novos órgãos sociais tomaram posse no início de 2025 e estão apostados em estreitar ligações com as centenas de coletividades que existem em Lisboa, captar novos associados, mas também promover novas atividades e dinamizar o tecido associativo da cidade.

Artur Botão, dirigente associativo há cerca de 40 anos, é o novo presidente da Associação das Coletividades do Concelho de Lisboa (ACCL). Um dos objetivos da nova direção será “aproximar as estruturas do movimento associativo à ACCL”, revelou em entrevista ao Olhares de Lisboa. “Queremos estar próximo das coletividades, sentir os seus problemas e poder ajudá-las. Também queremos ter um papel mais próximo das associações do que estar fechados a organizar coisas, e também ter um papel relevante na área da formação, na área da consultoria, na área do apoio jurídico, porque são coisas que lhes fazem falta e que lhes facilitam a vida”, revela o também presidente da Academia 1º de Junho de 1893, no Lumiar.

Outros objetivos a que a nova direção, que tomou posse no início de janeiro, se propõe concretizar, passam ainda por uma mudança na “política de comunicação da associação”, para que possa ser “mais visível e atrativa”, bem como alargar o leque de atividades, de forma a promover mais eventos nas “áreas do teatro, música e dança”. Todos os anos, a ACCL promove um conjunto de atividades e eventos abertos à comunidade, entre os quais a Festa das Coletividades e das Casas Regionais, que em 2025 será em maio, a Festa do Fado nas Coletividades, a Corrida da Liberdade, entre outros. “Em Lisboa não há um grande evento de teatro amador e isso faz com que os grupos de teatro que há nas coletividades, bem como os agrupamentos musicais e as escolas de dança, não tenham um palco para mostrar a sua atividade para fora da sua coletividade”.

Novas dinâmicas

“Por isso, gostaríamos de criar um evento, sob a forma de festival, para que os diversos grupos de teatro amador que existem nas coletividades da cidade pudessem ter um público mais vasto e pudessem ver o seu trabalho apreciado por muito mais gente”, afiança Artur Botão, que, antes de ser presidente da ACCL já foi vogal desta associação, experiência que acumula com o longo percurso como dirigente associativo. “Já conhecia a dinâmica da ACCL e tenho uma experiência longa de associativismo”. “Sou dirigente associativo desde os 16 anos e tenho uma ideia muito definida daquilo que deve ser uma estrutura deste tipo e quais são os objetivos que ela deve cumprir. E foi tendo atenção a isso, juntamente com a experiência que tenho acumulada e essa visão que eu tenho para a ACCL que eu decidi candidatar-me”, explica o presidente, cuja lista foi a única que apresentou candidatura.

“A cidade, nos últimos anos, sofreu e continua a sofrer, fortes mudanças ao nível demográfico e que colocam novos desafios. Há uma nova cidade e o que acontece atualmente é que as coletividades têm um papel muito importante na formação das comunidades dentro da cidade”, prossegue o dirigente, lembrando que, fruto da especulação imobiliária e migração de muitos locais para fora da cidade, existem zonas da capital “onde as coletividades estão a perder relevância”.

“O centro da cidade, por exemplo, está a ser esvaziado de pessoas e as coletividades que sempre foram como uma âncora e um pilar social importante” estão a desaparecer, reforça Artur Botão, acrescentando que, em contrapartida, existem outras coletividades, integradas em zonas “fortemente povoadas por pessoas de outros países”, como por exemplo Santa Engrácia, que estão a ter um papel “muito importante na formação da comunidade estrangeira”.

Centro de Enfermagem Queijas

Especulação imobiliária e falta de dirigentes são alguns dos desafios que se impõem.

“Temos casos de coletividades que têm voluntários a ensinar a língua portuguesa e também a ajudar na resolução de problemas. As coletividades podem promover a integração dessas pessoas com os locais e por isso queremos reforçar a importância das coletividades junto dos poderes públicos para que se perceba que elas são determinantes para uma cidade com comunidades saudáveis”. O presidente da ACCL pretende também fazer com que os “dirigentes associativos percebam os novos paradigmas que se colocam e percebam que este fluxo de migrantes para a cidade é também uma oportunidade para elas se reinventarem”.

“As coletividades têm de se adaptar e isso é um papel importante que a ACCL deve ter, no sentido que as associações têm de perceber estas novas dinâmicas e perceber o caminho para se manterem vivas, porque se mantiverem agarradas àquilo que eram os sócios de há 40 anos terão mais dificuldade em sobreviver”, alerta. “Na cidade, há um pouco de tudo em termos de coletividades”, reforça o novo presidente da ACCL, lembrando que grande parte delas estão sediadas em imóveis alugados e têm como “principal preocupação o contrato de arrendamento, o pagamento da renda e muitas vezes a contingência de poderem ser despejados”.

Ser uma voz do tecido associativo junto da Câmara de Lisboa.

Por outro lado, há coletividades com sede própria, mas “também não deixa de ser um problema, porque uma sede própria implica a conservação do espaço e muitas vezes estamos a falar de edifícios centenários e que têm necessidades de manutenção constantes”. Artur Botão fala ainda da falta de dirigentes associativos, o que leva a que exista uma deficiência na gestão das coletividades. No entanto, a nova direção da ACCL quer suprir este problema através “de um conjunto de ações de formação que dê mais confiança a quem queira dirigir uma coletividade, porque, neste momento, dirigir uma coletividade implica um conjunto de responsabilidades que assusta muitas vezes as pessoas”.

“Atualmente, um dirigente associativo tem um conjunto de responsabilidades, tanto de natureza fiscal, de cumprimento de regulamentos, de segurança, entre outros. E nós, em primeiro lugar, queremos desmistificar isso. Se as coletividades estiverem capacitadas, conseguem perfeitamente cumprir isso”. Para além da falta de dirigentes associativos, a ACCL aponta ainda como desafios a “falta de associados e pessoas interessadas em participar nas atividades”. Desta forma, no entender de Artur Botão, é necessário promover outras atividades para que se consiga captar mais pessoas para as coletividades. Por outro lado, a ACCL quer continuar a manter a “boa relação com a Câmara Municipal de Lisboa (CML)”, e ter um papel ativo no sentido de incentivar a autarquia a ajudar a manter as coletividades nos bairros onde elas pertencem.

Cerca de 400 associações afiliadas, mas o objetivo será trazer mais.

“Não temos uma fórmula mágica para resolver o problema [da especulação imobiliária], mas sabemos que as coletividades só fazem sentido no sítio onde estão inseridas. Há um caminho que a CML deve ir analisando e se entender que há coletividades importantes para a cidade e para as comunidades onde estão inseridas, deve comprar os imóveis, exercendo o seu direito de preferência quando houver transações, e depois estabelecer um contrato com a coletividade para que elas possam continuar naquele espaço e colocar, eventualmente, cláusulas que permitam também à autarquia poder desenvolver atividade no espaço”, sustenta Artur Botão, que explica que, atualmente, a ACCL tem cerca de 400 associações e casas regionais afiliadas, sendo financiada por parte da quotização anual paga por estas organizações e pelos eventos realizados.

Nova direção da ACCL quer criar sinergias com outras associações dentro e fora da cidade.

“A ACCL, durante alguns anos, conseguiu gerar uma almofada financeira que lhe permitiu algum conforto, mas, nos últimos anos, essa almofada tem vindo a ser diminuída. Não somos uma entidade lucrativa, mas temos que manter a sustentabilidade da associação e encontrar uma fórmula para evitar chegar a situações difíceis. Atualmente, estamos numa situação financeira muito estável e até confortável, mas precisamos de pensar na sustentabilidade, porque a longo prazo não podemos acumular prejuízos”. O novo presidente da ACCL sucede a Pedro Franco e ocupará o cargo até 2027. O último desempenha agora a função de Presidente do Conselho Fiscal. O presidente da Mesa da Assembleia Geral é Vítor Agostinho, da Voz do Operário.

A direção da ACCL conta ainda com Pedro Almeida, presidente da Casa do Concelho de Gouveia desde 2024, como vice-presidente; Lídia Fontes, presidente do Conselho Fiscal do Mirantense Futebol Clube desde 2021, como tesoureira; Anabela Antunes, como 1.ª Secretária; Sandra Nunes, como 2.ª Secretária; e os vogais Euprémio Scarpa, Paulo Gaspar, José Almeida e Selma Totta. “Somos todos dirigentes de coletividades e estamos aqui em representação de uma coletividade”, explica Artur Botão, salientando que o facto de liderar a Associação das Coletividades do Concelho de Lisboa não traz qualquer benefício para as associações que qualquer um dirige. No seu site, a ACCL explica que tem como objetivo a defesa “dos interesses das coletividades junto dos organismos públicos e privados”.

Continuar a promover as tradições da cidade, entre elas as Marchas Populares.

Igualmente, pretende ainda promover “ações de formação, seminários, encontros e outras para melhorar o nível de preparação associativa dos dirigentes; fomentar o intercâmbio de experiências e a troca de circulação célere de informação; dinamizar projetos próprios e comuns, relações associativas e a cooperação com coletividades de outras áreas em articulação com estruturas similares de âmbito local, distrital, regional e nacional, sem fins lucrativos”. Para além da promoção e defesa das coletividades da cidade, a ACCL tem ainda uma forte presença no contexto das Marchas Populares, visto que esta associação preside ao júri do concurso.

“Temos um papel importante na divulgação das marchas e no reforço da importância do concurso para aquilo que é a cultura da cidade”, acrescenta Artur Botão, que adianta ainda que, em 2025, não será o organizador da Marcha do Lumiar, ao contrário dos últimos anos, mas também não será, por sua opção, presidente do júri das Marchas Populares, passando esta responsabilidade para outro representante da ACCL, que será conhecido em breve. “O presidente do júri não tem qualquer influência” nos resultados das marchas, uma vez que não tem poder de voto, esclarece o presidente da ACCL. Em abril de 2024, a ACCL candidatou as Marchas Populares à Lista do Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial.

Apostar na internacionalização.

Esta candidatura contou com o apoio das 28 coletividades da cidade que anualmente preparam e apresentam as suas marchas em junho, e baseou-se numa pesquisa científica de dois anos, liderada pela antropóloga Marina Pignatelli, da Universidade de Lisboa, que incluiu dezenas de entrevistas, observações nas coletividades e uma recolha de centenas de documentos escritos, fotográficos e audiovisuais. Por fim, com a inclusão das Marchas Populares de Lisboa na Lista do Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, é reconhecida a sua importância histórica e cultural, mas também será preservada esta tradição, com mais de 90 anos de história. Para além da promoção das tradições da cidade, a ACCL tem ainda um “papel consultivo” no contexto do concurso das Marchas Populares.

“Se a EGEAC/Lisboa Cultura ou a CML entenderem, podem-nos consultar”, reforça o presidente da ACCL, lembrando que, em caso de alterações ao regulamento, a Associação das Coletividades e as entidades organizadoras das marchas são consultadas, mas a decisão final será sempre da autarquia. A ACCL está ainda apostada em intensificar o relacionamento com o tecido associativo e captar mais afiliadas, na criação de uma rede de protocolos com entidades públicas, semipúblicas e privadas que tragam vantagens às coletividades e seus associados, e ainda na internacionalização, ou seja, conforme explica Artur Botão, “existem, noutras capitais europeias, outras associações homólogas, com as quais nós podemos aprender, trocar experiências e divulgar aquilo que fazemos.

23 anos de história.

Atualmente, já desenvolvemos contactos com uma associação de coletividades portuguesas da comarca de Paris, e, em maio, vamos a Paris participar num grande evento de coletividades portuguesas em Paris”. No entender do dirigente, este evento será importante para “dar a conhecer aquilo que se faz na cidade. Acho que o associativismo da nossa cidade pode, de facto, ficar a ganhar se nós conseguirmos abrir uma montra noutros locais para além da cidade”, considera ainda.

A ACCL foi constituída a 26 de abril de 2002, na sequência de várias reuniões destinadas à descentralização do associativismo nas vertentes culturais, desportivas e recreativas, mas também à criação de uma estrutura que possibilitasse a cooperação regular e continuada entre as coletividades do concelho de Lisboa. Atualmente, funciona num espaço cedido pela Junta de Freguesia de Marvila, após ter estado sediada na freguesia de Campo de Ourique e na Federação Portuguesa das Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto (atualmente Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto), na Rua da Palma.

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