Numa conferência sobre desafios e soluções para a mobilidade urbana sustentável, os presidentes das câmaras de Oeiras e Cascais uniram a voz para reclamar pela requalificação urgente da A5, exigindo à concessionária que tome medidas de uma vez por todas. Isaltino Morais diz que este tipo de entropias são causadas pela “falta de planeamento” que tomou conta do país.
Os grandes núcleos urbanos enfrentam hoje um crescimento populacional que tem vindo a exigir das autarquias uma atenção redobrada aos problemas dos modelos de mobilidade presentes em cada território.
A conferência “Smart Mobility Oeiras”, dedicada aos desafios e soluções para a mobilidade urbana sustentável, realizada em Carnaxide no dia 23 de abril, pretendeu “responder” a muitas das grandes questões relacionadas com a necessidade de haver uma reconversão da mobilidade nos diferentes territórios.
Organizada pelo jornal ECO em parceria com a empresa municipal Parques Tejo, esta conferência pôs em cima da mesa as soluções que podem tornar os territórios mais conectados, sustentáveis e inteligentes — e sobre o papel das autarquias, do setor empresarial e da inovação tecnológica nesse processo.
Ministro lembra problema da “suborçamentação”
O ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, fez a abertura da conferência, pondo em evidência os múltiplos projetos que o Estado pretende levar a cabo na área da mobilidade na Área Metropolitana de Lisboa, mas também nos grandes investimentos previstos para a criação da “circularidade” das ligações ao novo aeroporto (Luís Vaz de Camões) e em toda a Grande Lisboa.
O governante lembrou, todavia, que os grandes investimentos – muitos deles herdados do anterior governo – não podem padecer de uma “suborçamentação crónica” que ponha em risco o avanço efetivo das grandes obras, recordando o caso da Linha Violeta, o metro de Loures, que, por causa da suborçamentação, fez com que se perdesse o dinheiro do PRR, obrigando o Estado a desembolsar perto de 700 milhões de euros.
Para o ministro, as grandes obras estruturais não podem ficar retidas nos gabinetes ministeriais por inércia ou por serem da autoria do “anterior governo”. Tem de haver uma “visão de continuidade” de “evitar a crítica pela crítica” porque “são investimentos de longo prazo” que não podem ser adiados, sob pena de o País não descolar definitivamente rumo a nova fase de crescimento.
“É de evitar ao máximo a suborçamentação, que é um dos grandes males de Portugal”, reiterou.
No mesmo âmbito, Miguel Pinto Luz assumiu ter “um desejo”: “que o próximo governo, seja de que partido for, dê continuidade (aos investimentos que estão em cima da mesa) para o país avançar”.
O governante reconheceu que o Executivo de Luís Montenegro “está em gestão”, mas avançou que o Estado central disponibiliza 3 mil milhões para o avanço da Linha Violeta, o apoio à reativação do SATU de Oeiras, sob o “princípio da subsidiariedade” aos municípios, que “fazem melhor do que o próprio Estado”.
Pinto Luz adiantou ainda que o Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, vai ser “desmantelado” nos “próximos 10 anos” e que não haverá marcha atrás na construção do Aeroporto de Alcochete, mas reiterou que estas obras “são fundamentais” para que Portugal entre numa nova era de desenvolvimento.
“Não se iludam: Não há ICEP que nos valha se não houver a perspetiva de termos uma (nova) rede de transportes a funcionar”, concluiu.
Oeiras e Cascais alinhados em várias posições
O presidente da Câmara Municipal de Oeiras, Isaltino Morais, e Carlos Carreiras, presidente da Câmara de Cascais, participaram num painel de debate dedicado à “Mobilidade em linha”.
Num debate bem-disposto e em que foram encontrados pontos de vista comuns entre os dois autarcas, Isaltino Morais sobressaiu com uma postura descontraída, mas em que atirou várias farpas aos responsáveis do Estado e aos líderes de empresas como a Brisa ou a Infraestruturas de Portugal.
O edil de Oeiras começou por narrar a história da criação do SATU, que considerou como a primeira “verdadeira parceria público-privada” em que uma câmara “assumiu todos os custos”. Segundo o autarca, o SATU só foi desmantelado “porque deu prejuízo durante três anos” e, na altura da vinda da Troika, convencionou-se que as empresas “públicas” que dessem prejuízo durante esse período “teriam de ser fechadas”. Ainda assim, Isaltino Morais declarou que tinha tido razão antes do tempo, porque, hoje, é assumido “por todos” que o SATU é “prioritário” e fundamental para a mobilidade no entorno de Lisboa.
“Já temos tudo mais que estudado e em andamento, mas o próximo governo fica ‘entalado’ porque vai ter que assumir aquilo que está acordado”, atirou.
A5 a necessitar de uma intervenção urgente
Carlos Carreiras, por seu turno, apontou baterias para a “urgência” da intervenção na A5, explicando que partilha o desejo com Oeiras na criação de corredor de BUS, uma BRT (sigla para “Bus Rapid Transit”) nesta autoestrada.
O autarca apontou a ineficiência na manutenção da autoestrada Lisboa-Cascais (A5), que, “há décadas”, se mantém com as mesmas características de traçado como se não tivesse havido um crescimento massivo de população e, consequentemente, de tráfego automóvel.
Em causa está o projeto, há muito, defendido pelos municípios de Oeiras e Cascais de ter um corredor dedicado na A5 para transporte coletivo, o BRT, mas que não há meio de sair do papel e de mitigar o pesado congestionamento do tráfego que se regista todos os dias num dos principais acessos a Lisboa. O problema também se regista no sentido inverso rumo aos vários parques empresariais do concelho de Oeiras ou a Cascais.
Para Carlos Carreiras, é “urgente” a necessidade de se melhorar a mobilidade destas populações. “Cascais e Oeiras estão alinhados numa estratégia comum, que é a solução BRT na A5, mas não se consegue concretizar”. A autoestrada “precisa de obras e ter um corredor dedicado, não há outra solução”, defendeu o autarca, considerando que “já houve muita conversa”, mas que, agora, está na altura de o governo “passar à ação”.
O edil de Cascais sublinhou que a construção da linha BRT “iria resolver o problema da coesão do território e os congestionamentos na A5”.
Mais contundente ainda, Isaltino Morais disse não perceber porque não se renegocia o contrato de concessão com a Brisa, que classificou como uma “entidade que parou no tempo” e que não está a acompanhar todas as transformações que se verificaram nestes territórios e as suas dinâmicas, empresariais e demográficas. Segundo o autarca de Oeiras, a Brisa tem obstaculizado as soluções de mobilidade para melhorar a circulação das pessoas.
Na A5 “continua tudo igual”
Isaltino Morais recordou que a A5 foi planeada “no seu gabinete”, conjuntamente com Cavaco Silva, e que, numa fase inicial, “contribuiu para o desenvolvimento do território”, porque possibilitou a “vinda de milhares de empresas para Oeiras”.
Mas, volvidos 40 anos, “continua tudo igual” porque a Brisa não soube acompanhar a necessidade de uma “intervenção de fundo” que melhorasse a mobilidade naquela via. “As pessoas da Brisa, que são simpatiquíssimas, só pensam no seu lucro”, atirou. “Neste momento, a A5 é uma muralha que separa a zona sul do norte” da Grande Lisboa.
Falta “planificação” em Portugal
Para Isaltino Morais, a falta de “planificação a médio e longo prazo” é o “grande problema” de que enferma o Estado central, bem como as empresas que gravitam em seu redor, como a BRISA. O autarca defende que nos sucessivos governos “ninguém planifica a longo prazo”. Grosso modo, essa falta de visão estratégica “prejudica o desenvolvimento do país”.
O líder do Município de Oeiras lembrou que “há mais de 25 anos” que reivindica a construção de uma saída direta para Oeiras, mas que a Brisa tem ignorado sistematicamente os pedidos da Câmara. “Há uma saída para o nó do TAGUSPARK, para norte, mas porque razão não nos deixam fazer uma saída para sul? Nós até assumimos que investíamos 20 milhões de euros para fazer a obra, mas nem assim… Cada um puxa para o seu lado. E nada é planeado nem é decidido”, explicou.
Por tudo isto, diz Isaltino Morais, é preciso renegociar, até porque as estimativas iniciais foram relativas a um volume de tráfego, já estão claramente ultrapassadas.
Marginal “do lado” das autarquias
Como foi explicado por Carlos Carreiras, o Estado pretende entregar a gestão da estrada Marginal aos municípios de Cascais e Oeiras. O autarca de Cascais assume “não estar interessado”, mas Isaltino Morais assegura que, na prática, Oeiras já está a fazer a manutenção daquela via, procedendo à limpeza e à conservação da Marginal (da responsabilidade das Infraestruturas de Portugal), que “é miserável”.
Isaltino Morais vê com bons olhos a gestão operacional da Marginal, até porque a quase totalidade do trajeto é feita no concelho de Oeiras e o autarca tem um plano para tornar a Marginal numa estrada de “contemplação” das riquezas naturais que existem em Oeiras.