Ricardo Leão tem uma posição veemente e incompreendida pelo seu próprio partido. Depois da derrota estrondosa dos socialistas nas eleições legislativas, o presidente de Câmara de Loures defende uma viragem do partido ao centro. Leão diz que o PS não pode ter tabus e deve recapturar os votos perdidos para o Chega, através do “know-how” dos presidentes de câmara. São os autarcas aqueles que melhor conhecem os problemas reais das pessoas.
Olhar Loures — O Partido Socialista sofreu uma pesada derrota no passado domingo. Qual é sua leitura sobre os resultados?
Ricardo Leão — A minha leitura é pública e já foi manifestada. Tinha avisado para a possibilidade da ocorrência destes resultados, mas ninguém estava preparado para aquilo que acabaria por acontecer. Já tinha transmitido ao Pedro Nuno Santos que havia um sentimento generalizado de descontentamento. Nas três semanas que antecederam as eleições, ouvi muitas vezes que as pessoas, para estas eleições, iriam votar no Chega, apesar de serem votantes do PS, reafirmando que para as autárquicas iriam votar em mim. Avisei o secretário geral do PS sobre a mensagem global que fui ouvindo na rua.
OL — Em Loures, apesar de tudo, venceu o PS.
Loures resistiu, o que é sinal muito positivo. No distrito de Lisboa, só houve dois concelhos em que o PS conseguiu vencer. Todos os outros, caíram nas mãos da AD ou do Chega. Se bem que, não tenho dúvidas que os resultados das autárquicas serão bem diferentes. Quanto às razões para aquilo que aconteceu, eu já havia avisado. Fui avisando, desde outubro do ano passado, que estes resultados poderiam acontecer. Acho que o Pedro Nuno Santos se rodeou mal. Deveria ter-se desligado mais cedo de uma corrente muito wokista e esquerdista, não conseguindo fazer passar a sua mensagem. O PNS não conseguiu centrar as suas ideias nos problemas reais que preocupam as pessoas.
OL– Defende que o PS deve virar ao centro e não à esquerda?
Eu sempre defendi um recentrar do PS. Fi-lo no concelho de Loures, com os resultados que estão à vista de todos. A política atual mudou muito. Hoje, temos uma geração nova que, felizmente, está a participar nos atos eleitorais, e que tem, segundo os dados conhecidos, votado maioritariamente no Chega. Por isso, a mensagem dos partidos tradicionais tem de ser alterada. Nós não podemos ter assuntos tabu. Em Loures não há assuntos tabu; não o fiz nem nunca o irei fazer. Esta minha posição já me valeu muitas críticas dentro do meu partido, pelo facto de ter votado a favor de uma proposta do Chega.
OL — Essa posição foi uma estratégia para conquistar votos no campo do Chega?
O partido tem de avaliar a melhor forma de combater este partido. Como é que se combate o Chega? Não é falando mais alto, não é ignorando, não é ofendendo. Este partido combate-se com a conquista daqueles que não acreditam na política. Primeiro, devemos cumprir os compromissos assumidos – um político tem de assumir os seus compromissos. Segundo, não ter assuntos tabu…
OL — Está a referir-se aos problemas da habitação, segurança, migrações?
Todos esses problemas, sim. Qualquer político do sistema democrático, inclusive os presidentes de câmara, têm de agarrar nos assuntos que preocupam as pessoas. Esses problemas não podem ser propriedade do Chega, todos os políticos têm a obrigação de agarrar nesses problemas e, dentro das suas capacidades e competências, encarar os problemas de frente e resolvê-los. Sempre defendi, como autarca e presidente de Câmara, que as propostas não devem ser avaliadas com base no proponente. As propostas têm de ser avaliadas com base nas mais-valias que vão gerar para a população, neste caso, para o concelho de Loures. E foi isso que o PS não conseguiu perceber e, por isso, fui bastante criticado. Votei favoravelmente uma proposta do Chega e votarei naquelas que forem necessárias.
OL — Acha então que o senhor teve razão antes do tempo ou foi o PS que não soube ler os anseios da população?
O PS não soube ler, agarrou-se a uma corrente wokista e demasiado intelectual. E, como se provou, não é essa mensagem que as pessoas querem escutar. As pessoas querem que haja escolas, infraestruturas rodoviárias, transportes, mas querem, também, que haja direitos e deveres para todos, que foi uma bandeira que eu levantei em Loures. Nós temos de saber ouvir as provações das pessoas, mas esta bandeira levantada em Loures ofendeu uma parte do meu partido. Sempre disse, e mantenho, que haver direitos para todos e deveres para todos não viola nenhum princípio ou valor do PS. Estou muito consciente daquilo que fiz no passado, e que o PS não compreendeu, e que irei continuar a fazer, e com resultados.
OL — Quer explicar melhor que resultados são esses?
Em 2021, quando cheguei à liderança da Câmara, dos 2500 fogos municipais — era uma bandeira que o Chega levantava, afirmando que ninguém pagava as rendas –, havia 55% de incumpridores. Dos 2500 fogos, mais de metade das pessoas não pagava renda, que era da ordem dos 10/20 euros. Durante oito anos, a CDU ignorou completamente esta realidade. O nosso Executivo baixou este incumprimento para os 18,5%.
OL — De que verbas estamos a falar?
Antes da minha entrada, a Câmara estava a receber uma verba de 900 mil euros anuais. Em 2024, que é um ano que já está fechado, arrecadámos 3 milhões de euros… Este valor, por si só, diz tudo. Quer dizer que nós agarrámos no problema e o resolvemos. Não deixámos que o populismo se agarrasse ao problema, cavalgando esta onda. É assim que se resolve e se combate o populismo. Agarrando os problemas e resolvendo-os.
OL — Mas tiverem em conta as dificuldades de alguns munícipes que não conseguiam mesmo pagar?
A dimensão humanista do problema nunca esteve em causa. Nunca tivemos um propósito claro de despego das pessoas. Fizemos planos de pagamentos, que poderiam ir até às 60 prestações, para que as pessoas que queriam pagar, não ficassem impossibilitadas de o fazer. Ou seja, as pessoas que aderiram ao nosso plano de prestação e dívida, estão a pagar, mas não pode haver a perceção geral de que uns cumprem e o vizinho do lado não.
OL — Então e que vai fazer com os 18,5% que não querem pagar as rendas?
Já o assumi publicamente, e reafirmo-o hoje, que essas pessoas tiveram oportunidades para mostrar vontade em resolver a situação, mas, durante dois anos e meio, nem se dignaram a responder à Câmara. Para esses, já foram emitidas ordens de despejo.
OL — São 400 fogos que vão ser despejados?
Exatamente. Não havia outra alternativa. A Câmara fez de tudo para obter respostas, mas não se dignaram a responder. Então, o que havemos de fazer? Temos a obrigação de fazer a verdadeira justiça social que eu quero ver no meu concelho.
OL — E o que será das pessoas que forem despejadas? Passam a ser responsabilidade do Estado Central?
A Câmara tem uma lista de espera (pelas casas municipais) de 1000 pessoas. Não podemos ter estas pessoas a aguardar uma resposta e termos 400 casas que, na realidade, foram ocupadas por pessoas incumpridoras. Devo salientar que, em muitos casos, temos ocupações ilegais ou situações de subarrendamento a terceiros… Não podemos meter a cabeça na areia e fingir que está tudo bem. É aí que reside o problema, mesmo o PS a nível nacional, foi colocando a cabeça na areia e foi tendo assuntos tabu. Para mim, não há cá tabus. Quem não cumpre, é alvo de uma ordem de despego, porque tenho uma lista de espera de pessoas que precisam de casas.
OL – Uma das críticas recorrentes dos moradores destas casas é que a Câmara não fazia a manutenção e a remodelação nestas casas. Esse paradigma mudou no seu mandato?
Foi justamente por isso que a Câmara levou a cabo o processo de reabilitação em 1200 fogos, porque a Câmara não estava a cumprir com as suas obrigações, as casas estavam muito degradadas, ou se seja, a Câmara, como senhorio, não cumpria. Aquilo que nós estamos a fazer é o processo de requalificação dessas casas, dando dignidade à habitação pública, e que não havia, gerando um problema em bola de neve. O objetivo é que as pessoas que pagavam as rendas, não tivessem razões para alegar o incumprimento. Em suma, esta era uma bandeira do populismo, mas que, graças à nossa intervenção, deixou de poder embandeirar.
OL – É então assim que quer combater a extrema-direita. No terreno deles?
Exatamente. Mas não é “ir para o terreno deles”. É tão só resolver um problema que, de facto, existia. Porque razão não havemos de resolver os problemas do concelho e promover a verdadeira justiça social no campo da habitação?
OL – Em termos da resolução dos problemas de segurança, quer ser mais proativo?
A segurança no concelho estava entregue à “sua sorte”. A CDU entendia que a segurança era um problema da PSP e do Estado, o que não deixa de ser verdade, mas havia a tendência para atirar a culpa para o A, B ou C. Todavia, esquecem-se que as pessoas não querem saber quem resolve, querem ver os seus problemas resolvidos. A minha visão para o concelho é de que a Câmara deve estar atenta, ouvindo verdadeiramente as mensagens daquilo que as pessoas sentem e não daquilo que os partidos “acham que elas sentem”.
OL — Quer dar algum exemplo das suas intervenções na área da segurança?
Dou-lhe vários. A PSP, para uma área de 150 mil pessoas, tinha duas viaturas disponíveis para fazer o policiamento. Isto é vergonhoso. E o Município de Loures fazia o quê? Continuava com a atitude da CDU? Deixava o populismo dizer que isto “é o uma vergonha”? Não, a Câmara teve de tomar medidas, adquirindo conjuntamente com a juntas de freguesia, seis viaturas. Aliás, segundo os relatórios, muitas das viaturas que estavam paradas era por falta de manutenção, de um pneu, uma mudança de óleo, pela falta de um filtro de ar. Eram coisas ridículas. Por isso, a Câmara de Loures assumiu a compra de 12 viaturas novas, doze carros novos para a PSP. Assim como uma verba para a manutenção das viaturas, que vão estão ao serviço da política do policiamento de proximidade. O objetivo é diminuir o pressentimento de insegurança, principalmente, em algumas zonas mais problemáticas do concelho, através do fomento do policiamento de proximidade. Coisas tão simples como o facto de uma viatura da PSP circular à noite nas localidades do concelho, contribui para o aumento da sensação de segurança da população.
OL – A GNR não entra na equação?
A GNR está mais dedicada aos territórios mais rurais. Mas há um caso paradigmático: fala-se há anos e anos da necessidade de Bucelas ter um novo quartel, mas nunca passou das intenções. Connosco, vai avançar a obra da construção de um novo quartel da GNR em Bucelas. Vamos lançar o concurso público no próximo e no segundo semestre do próximo ano, o quartel estará operacional. A obra vai custar 4,5 milhões de euros, tendo o financiamento de 2 milhões o Governo e 2,5 da Câmara.
OL – A videovigilância também é uma aposta da Câmara?
Gosto mais de falar em videoproteção do que videovigilância, porque são coisas muito diferentes. A videovigilância tem uma função preventiva, mas também de apuramento de factos para serem apresentados em tribunal. Este projeto vai custar 5 milhões de euros, suportados pela Câmara, instalando 226 câmaras em sítios identificados pela PSP e a GNR.
OL – Voltando ao tema eleições legislativas, já afirmou que uma das falhas de PNS foi o facto de não ter incluído autarcas no seu núcleo duro. Acredita que a liderança de José Luís Carneiro vai ter as suas palavras em conta?
Acredito sinceramente que esta nova direção tem de se rodear de gente que conhece, de facto, a realidade do país: os autarcas. São os autarcas que conhecem os sentimentos reais das pessoas. Ao incluir os autarcas no núcleo duro do Partido, pode ir mudando o seu discurso, sem tabus e sem receios.
OL — O presidente defende que as eleições internas do seu partido só deveriam ocorrer depois das autárquicas?
Defendo eu e muita gente. As eleições não deveriam acontecer antes das autárquicas, para não se perder o foco nas autárquicas e já avisei que a eleição para o secretário-geral vai desmobilizar o partido para a preparação das eleições de outono. Todo o processo devia ser feito a seguir as eleições autárquicas, até porque é importante ver os resultados de muitos dos candidatos a presidentes de câmara. Até porque vai haver um conjunto de novos presidentes de câmara, de uma conjuntura diferente, que era importante também terem um papel decisório nas escolhas, quer do próximo secretário-geral, quer do congresso, quer da lista da Comissão Política Nacional, quer da Comissão Nacional.