Carlos Moedas lançou a ideia das Comemorações do 25 de Novembro

À revelia das críticas da esquerda, as comemorações dos 50 anos do 25 de Novembro vão amanhã marcar a agenda política do país. As celebrações da data vão ter cerimónia oficial na Assembleia da República e um desfile militar no Terreiro do Paço. O coronel Vasco Lourenço, um dos protagonistas do 25 de Novembro, considera as comemorações como “uma palhaçada”, e os partidos da esquerda fecharam a porta à cerimónia. A data nunca foi consensual e reflete diferentes perspetivas sobre a leitura dos factos da história recente de Portugal e, em particular, do regime democrático.

Esta terça-feira, as comemorações dos 50 anos do 25 de novembro de 1975 integram uma cerimónia militar promovida pelas Forças Armadas, entre as 8 e as 10h, na Praça do Comércio, e presidida pelo Presidente da República.

O desfile contará com forças em parada, unidades equipadas para combate, viaturas motorizadas e a passagem de meios da Força Aérea. A cerimónia vai condicionar fortemente todo o trânsito na Praça do Comércio e zona envolvente.

Foi o presidente da Câmara de Lisboa a lançar as bases para as comemorações do 25 de Novembro, que a direita considera ter sido a data da consolidação democrática do país.

Em outubro de 2023, Carlos Moedas tomou a dianteira com um gesto político que antecedeu a celebração da data (e a polémica).  Recorde-se que as comemorações do 25 de Novembro foram anunciadas nessa altura pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), durante a cerimónia evocativa da Implantação da República, a 5 de outubro.

As celebrações desta data começariam na Calçada da Ajuda, onde o autarca depositaria uma coroa de flores em homenagem aos militares comandos José Coimbra e Joaquim Pires, que perderam a vida na sequência de troca de tiros para submeter o quartel da Polícia Militar, na Calçada da Ajuda, em Lisboa. Nessa data, forças militares chefiadas por Jaime Neves, comandante dos comandos, puseram termo ao denominado Processo Revolucionário em Curso (PREC), iniciado após o 25 de Abril de 1974.

Na altura, o presidente da Câmara de Lisboa defendeu que, até agora, celebrar o 25 de Abril foi “um exercício incompleto”, estando a faltar uma peça fundamental: a comemoração do 25 de novembro. A oposição de esquerda reagiria veementemente, não marcando presença nas comemorações da data no ano passado.

Oposição unida contra celebração

Os vereadores de então do Partido Socialista na câmara de Lisboa, segundo a vereadora Inês Drummond, proferiram que “Carlos Moedas vem agora impor umas comemorações do 25 de Novembro que pretendem de alguma forma eclipsar o 25 de Abril, numa tentativa de agregação do voto de direita que não se revê nas comemorações do 25 de Abril”.

O Partido Comunista mostrar-se-ia também contra esta comemoração. Na época, o vereador João Ferreira acusou Carlos Moedas de estar a agir contra as decisões do executivo camarário, recordando que a Câmara de Lisboa aprovou um voto de condenação pelo anúncio das comemorações do 25 de Novembro pelo presidente da autarquia, proposto pelo PCP, por constituir “uma tentativa de menorizar a dimensão e significado da Revolução de Abril”.

A data nunca foi consensual e reflete diferentes perspetivas sobre a leitura dos factos da história recente de Portugal e, em particular, do regime democrático.

Depois de, no ano passado, ter havido, pela primeira vez, uma sessão solene dedicada ao 25 de Novembro na Assembleia da República, este ano o Governo, em Conselho de Ministros realizado em agosto, a criação de uma comissão para organizar as comemorações dos 50 anos do 25 de Novembro.

Além de uma sessão solene na Assembleia da República, uma cerimónia semelhante à do 25 de Abril, a efeméride será também assinalada com uma parada militar na Praça do Comércio, em Lisboa, tal como aconteceu nas comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos, em 2024.

A equiparação quase total na comemoração das duas datas está longe de ser consensual. Foi criticada unanimemente pela esquerda, que acusou a direita de querer menorizar o 25 de Abril e defendeu que as duas datas são incomparáveis.

Amanhã, todos os partidos de esquerda, com exceção do PS, indicaram que não vão marcar presença na parada militar na Praça do Comércio. O PCP recusa também participar na sessão solene na Assembleia da República, à semelhança do que aconteceu no ano passado.

Tentativa de reescrever a história

Entretanto, apesar de participar na parada militar, o PS anunciou que vai organizar o seu próprio programa para comemorar a efeméride e recusou integrar a comissão criada pelo Governo, considerando que oculta “o papel central” de Mário Soares e tem como propósito “criar uma narrativa de confrontação e polarização”.

O mesmo pensa o capitão de Abril e capitão de Novembro, o coronel Rodrigo Sousa e Castro, menbro do Conselho da Revolução (1975-1982), lamentando o que diz ser uma “tentativa de reescrita da história” por parte do Governo.

Para Rodrigo de Sousa e Castro, o 25 de Novembro foi “um ajuste de contas entre militares”. Membro dos Nove, protagonista do contragolpe, critica Melo e Montenegro por irem “na onda” de Ventura.

Segundo o coronel Rodrigo de Sousa e Castro, o 25 de Novembro não tem dignidade histórica para se comparar com o 25 de Abril. A intentona de 25 de Novembro de 1975, aliás, não mudou nada — o Pronunciamento de Tancos (que contribuiu para a queda do V Governo Provisório, de Vasco Gonçalves, e alterou a composição do Conselho da Revolução, em setembro, sim

Semelhanças com as comemorações do 25 de Abril

Apesar destas críticas da esquerda, a efeméride será comemorada praticamente com as mesmas honras que os 50 anos do 25 de Abril. Segundo o ministro da Defesa e líder do CDS-PP, Nuno Melo, considerado como o governante que mais pugnou pela celebração da data, estas comemorações permitem que o Estado cumpra “a sua obrigação em relação a uma data fundamental para a consolidação da democracia e da liberdade”.

Aquando anunciou a criação da comissão relativa ao 25 de Novembro, em agosto, Nuno Melo justificou que “o 25 de Novembro devolveu ao 25 de Abril o seu propósito original. O 25 de Abril permitiu a mudança do regime com intenção de entrega do poder ao povo, e o 25 de Novembro pôs cobro à deriva totalitária e confirmou o regime democrático”.

Vasco Lourenço considera comemorações como “uma palhaçada”

Esta comissão, presidida pelo tenente-general Alípio Tomé Pinto, apenas integrada por partidos de direita (PSD, CDS, Chega e IL), também mereceu uma critica contundente de um dos protagonistas do 25 de Novembro, o coronel Vasco Lourenço, que considerou como “uma palhaçada”.

Numa conferência de imprensa realizada em setembro para dar conta do repúdio da Associação 25 de Abril face à constituição “inesperada” de uma comissão para assinalar os 50 anos da operação militar de 25 de Novembro de 1975, Vasco Lourenço criticou o Governo PSD/CDS-PP, acusando o executivo de querer deturpar a história do país e de dizer “inverdades”.

“Eu não digo que eles desconheçam a História. Eu digo que eles querem deturpá-la. Se não conhecem, não podem estar no Governo. Pessoas deste tipo, com esta ignorância, não podem estar no Governo”, criticou.

Para Vasco Lourenço, a atitude do Governo reflete a sua oposição à Revolução de Abril, querendo “apagar” a data da memória coletiva portuguesa. “Para eles, só houve liberdade depois do 25 de Novembro”, o que é profundamente “revelador” do “ódio ao 25 de Abril”.

Pese embora os protestos de vários setores da sociedade, as comemorações da data irão mesmo realizar-se com cerimónia oficial no parlamento e uma parada militar no Terreiro do Paço.

O que foi o 25 de novembro

O 25 de Novembro de 1975 foi uma movimentação militar crucial que marcou o fim do Processo Revolucionário em Curso (PREC) em Portugal e consolidou o caminho para a democracia representativa.

Após a Revolução dos Cravos (25 de Abril de 1974), Portugal viveu um período de intensa agitação política e social, com diferentes fações (desde a extrema-esquerda à direita) a disputarem o poder e a direção do país, o que levou a uma situação de quase guerra civil. A Assembleia Constituinte chegou a ser cercada, e o governo provisório enfrentava dificuldades em governar.

O conflito opôs, essencialmente, os defensores de uma “democracia direta” ou socialismo radical, maioritariamente ligados à facção militar da extrema-esquerda (como Otelo Saraiva de Carvalho e o COPCON), e as forças moderadas, que defendiam a democracia parlamentar (lideradas por figuras como Ramalho Eanes, Melo Antunes, Vasco Lourenço, Sousa e Castro, Mário Soares, Francisco Sá Carneiro e, curiosamente, o próprio Álvaro Cunhal).

No dia 25 de novembro, uma fação radical da esquerda militar tentou tomar o poder, ocupando pontos estratégicos como a Emissora Nacional. Em resposta, as forças moderadas lançaram uma contraofensiva bem-sucedida, que rapidamente controlou a situação e desarmou os revoltosos.

A vitória das forças moderadas pôs fim à instabilidade do PREC, evitou uma potencial guerra civil e permitiu a estabilização do processo democrático e, por isso, é considerado um marco fundamental na história de Portugal. Pois consagrou a opção pela democracia representativa de tipo europeu e permitiu a conclusão dos trabalhos da Constituição da República Portuguesa de 1976, que estabeleceu as bases do regime democrático atual.

Marcha dos audazes

Este domingo, os comandos voltaram a sair à rua. Realizou-se a chamada “Marcha dos Audazes”, em que se assinalaram os 50 anos do 25 de Novembro, numa marcha em homenagem aos militares mortos no 25 de novembro de 75.

50 anos depois, realizou-se a marcha de 11 quilómetros que juntou militares no ativo e ex-militares que saíram do antigo regimento de comandos da Amadora em direção a calçada da Ajuda.

O trânsito estará condicionado em várias artérias do centro da capital.

Foto de capa: @50anos25abril.gov.pt

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