O social-democrata Daniel Gonçalves, presidente de junta Avenidas Novas, acusa Luís Newton e Jorge Barata – os três do PSD – de lhe terem “alterado a lista” à sua revelia e de estarem a congeminar um golpe palaciano para o obrigarem a abdicar da liderança da freguesia, impondo a pertença de Jorge Barata no seu executivo. Daniel Gonçalves assume que não aceita Barata na sua equipa e recusa a desvinculação do PSD. Jorge Barata sugere a demissão Daniel Gonçalves e defende que o seu compromisso “é com o PSD” e não com o presidente democraticamente eleito. Luís Newton, um dos visados neste polémico processo, defende, numa indireta a Daniel Gonçalves, que no “PSD não existem projetos unipessoais de exercício de poder” e que a ação do partido “se pauta pela construção de pontes, não pela tentativa de purgas ou vinganças pessoais”.
Os ecos da guerra aberta pelo poder na freguesia Avenidas Novas continuam a ressoar bem alto e parecem não dar sinais de tréguas.
Fonte do processo consultada pelo nosso jornal explica que todo o método de escolha dos candidatos às eleições para a junta de freguesia Avenidas Novos foi, logo à partida, “inquinado por atropelos vários” e decisões internas do PSD local que punham em causa as escolhas da equipa do presidente reeleito.
A formação das listas dependia da apresentação de uma lista criteriosa feita pelo líder da lista, Daniel Gonçalves, “que foi para isso que foi convidado”, defende.
Quando se aceita alguém como cabeça de lista, no caso Daniel Gonçalves, que foi recandidato e venceu com maioria absoluta, e que fez a campanha autárquica praticamente sozinho, desconhecendo “quem fazia parte da lista”, há expetativas de vitória, porque “é uma personagem sobejamente conhecida e que capitaliza votos, e é querida pelos fregueses. Se for a qualquer lado, rapidamente se constata que as pessoas não sabem que é o (Jorge) Barata, mas sabem muito bem quem apoiam: o Daniel Gonçalves”.
De acordo com o depoimento recolhido, Daniel Gonçalves apresentou uma lista equilibrada, com pessoas da sua confiança, com competências para desempenhar as funções para as quais estavam designadas.
Em entrevista ao OL, Daniel Gonçalves valida a informação recolhida pelo nosso jornal e acrescenta que apresentou a sua lista ao presidente da concelhia do PSD, Luís Newton, mas “o presidente da concelhia não deixou que a lista fosse entregue a outro elemento da estrutura partidária, fazendo questão que lhe fosse entregue a ele próprio, assinando uma cópia a reconhecer que a lista lhe tinha sido entregue”.
A partir desse momento, depois de Luís Newton ter tido conhecimento da lista apresentada por Daniel Gonçalves, o documento teria de ser submetido para aprovação à Assembleia de Secção do PSD de Lisboa, o órgão político que decide o avanço ou não das candidaturas – em termos de poder, a Assembleia de Secção do partido está situada entre a concelhia e a distrital do PSD.
Lista foi feita “à revelia” de Gonçalves
Daniel Gonçalves explica que “o aconteceu foi que não houve reunião da Assembleia de Secção. Não havendo reunião e preterindo-se um elemento fundamental, só há uma forma de salvar a lista: chegar a um consenso com o cabeça de lista, porque é a única forma de manter o rigor e a transparência de processos. E isso não foi feito”.
A lista que foi apresentada em tribunal pela mandatária do PSD, “foi feita à revelia do cabeça de lista e da qual só tem conhecimento dois depois da sua publicação”. E é daí que emerge todo este problema.
“Essa lista, para além de ter remetido todos nomes apresentados por mim para lugares secundários, é uma autêntica força de bloqueio, ou seja, são pessoas que têm um projeto de poder pessoal, que nada têm a ver com o PSD, e que estão em conluio contra mim”, acusa o autarca.
Usar e deitar fora
Daniel Gonçalves explica que todo o processo esteve “inquinado” com o objetivo de o afastarem da liderança da junta, usando a sua imagem (e prestígio) para ganhar as eleições. “O cabeça de lista é a imagem que ‘vende’ para capitalizar votos. E eles, como não são conhecidos e jamais teriam o voto popular, entram na onda, não aparecem, deixam o cabeça de lista fazer a campanha para ganhar as eleições, como acabou por acontecer, ainda por cima ganhando por maioria. No final das contas, o presidente de junta eleito vê-se confrontado com o facto de ter uma equipa que lhe é totalmente hostil”.
Daniel Gonçalves sublinha que, dentro deste processo, tentou negociar a escolha “dos elementos impostos menos maus” e sublinha que, dentro “destes elementos menos maus”, ao aceitarem fazer parte de uma lista, “têm de se conformar com o programa e as ideias que o líder transmite à população e que foram sufragadas nas eleições”.
Quanto ao facto de os eleitos terem anunciado a sua renúncia sem terem tomado posse, Daniel Gonçalves diz que estas “demissões” são “surreais”, uma vez que os elementos já tinham assumido o compromisso prévio, automaticamente assumido, ao aceitarem fazer parte da lista.
Imposição de Jorge Barata para provocar a queda do executivo
Segundo explicação do autarca, acabou por aceitar três dos quatro dos candidatos propostos, mas o quarto “era absolutamente impossível de lidar com ele: o Jorge Barata. Eles, ao negociarem a desistência prévia de dois deles, queriam impor o candidato Jorge Barata”
Daniel Gonçalves mostra-se surpreendido com a desistência “sem sentido” de Miguel Torres – da qual resultou todo o imbróglio -, até porque estaria na calha para integrar a equipa.
Contudo, aquilo que Miguel Torres fez “não tem sentido”, pois “está a abdicar previamente de um lugar que ainda não tinha”.
“Em termos formais, aquilo que ele deveria fazer era ser eleito e, depois da eleição, alegar os motivos que entendesse para renunciar. Só depois eu decidiria o que fazer, nomeadamente se o iria substituir ou não”.
A subversão legal de tudo está na própria lei das autarquias locais (artigo 9º e no 24º) que refere que o cabeça de lista mais votado preside para efeitos de nomeação do executivo, lendo depois a lista sufragada, e é ele que escolhe dentro da lista dos eleitos quem quer para integrar na sua equipa.
A partir do momento em que dois elementos assumem que não estão interessados em integrar o executivo, os restantes, que ficam à escolha do presidente, inviabiliza-se o executivo, porque “o que restava era o Jorge Barata”, um nome totalmente vetado por Daniel Gonçalves.
O autarca alega que Jorge Barata “para além de não mostrar compromisso, para além de ser desleal comigo, também andou em conversações paralelas com o CDS e a IL, fazendo diplomacia paralela, subvertendo a hierarquia”, pois esses contactos “teriam de ser feitos por mim e não por alguém que não merece a minha confiança, nem tão-pouco foi sufragado pelos eleitores”, atira.
“O objetivo desta campanha contra mim é manietar a minha ação, obrigando-me a renunciar, para eles ficarem a governar, ou melhor, a desgovernar a junta de freguesia Avenidas Novas durante estes quatro anos sem terem sido sufragados pelo voto popular”.
Apesar do epicentro de todo este imbróglio ter brotado das entranhas do seu próprio partido, Daniel Gonçalves manifesta vontade em continuar a ser militante do PSD, pondo de lado a hipótese de entregar o cartão do partido e assumir-se como independente. “Entendo que tenho um compromisso com os fregueses e com o eleitorado que confiou em mim, repito: confiou em mim, porque os outros não foram apresentados e o eleitorado desconhece quem eles são. Como tal, tenho a obrigação de fazer tudo quanto esteja ao meu alcance em prol dos fregueses. É isso que me move”.
Cópia do acordo em falta
Daniel Gonçalves revela que pediu uma cópia do acordo assinado entre os partidos da coligação (PSD/IL/CDS) a Luís Newton, mas o presidente da Concelhia do PSD Lisboa “disse que iria dar-me o documento, mas nunca o deu”.
“Para meu espanto, neste momento, continuo sem ter uma cópia do acordo. A única informação a que tive acesso foi dos lugares que pertencerão ao PSD, à IL e ao CDS. Contando comigo, o PSD tem 5 elementos, a IL um e o CDS outro. Mas, como não vi o documento, nem sei há alguma cláusula que permita alterar essa escolha”.
“Isto para explicar que o Luís Newton não enviou o acordo de coligação, para me manietar e me deixar às cegas em todo o processo”.
Agora, Daniel Gonçalves clama pela resolução do imbróglio e que o deixem governar, sem ser rasteirado. “Vamos tentar ouvir os pareceres jurídicos para se chegar a algum lado. Não me esqueço do meu compromisso de honra para com os fregueses que me elegeram e vou ter de arranjar um executivo que possa governar sem a possibilidade de ser derrubado por golpadas”.
Jorge Barata apresenta versão dos factos
O nome de Jorge Barata é várias vezes apontado a dedo neste processo kafkiano. Em sua defesa, o visado, que é presidente do Núcleo B do PSD de Lisboa, que engloba as freguesias Avenidas Novas, Alvalade e Areeiro, apresenta ao OL a sua versão dos acontecimentos.
“Foi apresentada uma lista ao sr. presidente Daniel Gonçalves onde se declara que dois dos elementos mostraram indisponibilidade para integrar o executivo (Paulo Lopes e Miguel Torres). Se o presidente quiser assinar o acordo que foi assinado em coligação, que determina a integração de cinco elementos do PSD, um do IL, um do CDS, existindo outro nome do PSD, que é o meu”.
“Se o senhor presidente continuar a insistir que quer obrigar um elemento, que não pode aceitar por motivos académicos, a entrar no executivo está a cometer uma inconstitucionalidade, porque não podemos obrigar alguém a assumir uma lista – isto não cabe na cabeça de ninguém”.
Neste momento, Jorge Barata insiste que tem disponibilidade para integrar o executivo. “Se o presidente não quer o meu nome, que resolva. O acordo é muito claro e é para ser cumprido. O presidente da junta, Daniel Gonçalves, é que tem de assumir as consequências, não é o Jorge Barata”.
O vogal que está na mira de Daniel Gonçalves esclarece que, neste momento, “não há mais ninguém disponível. Os dois elementos não estão disponíveis e só sobra um nome, que sou eu”, reitera.
Barata sugere a Gonçalves a criação de um “movimento independente”
Jorge Barata refere que Daniel Gonçalves “não tem razão” quando diz “que os nomes lhe foram impostos”, pois as listas “foram votadas e seguiram os regulamentos e os estatutos do PSD. Foram aprovadas pelo Núcleo B, a Comissão Política de Lisboa e Comissão Distrital do PSD”.
No início do processo, Daniel Gonçalves manifestou a sua pronta discordância com os nomes que constavam na lista, porque não incluía os nomes por ele propostos. Jorge Barata responde que os eleitos representam um partido e “não pessoas”, alegando que o presidente de junta teria que negociar diretamente com as estruturas locais do partido ou “renunciar à candidatura”, constituindo “um movimento independente” para concorrer às eleições.
E dá como exemplo o caso de Mafra, em que o social-democrata Hugo Luís Moreira se desvinculou do PSD para se candidatar como independente. “O Hugo não aceitou a decisão democrática do PSD de Mafra nomear outro candidato, foi à sua vida e até ganhou as eleições”.
Para Jorge Barata, Daniel Gonçalves poderia ter seguido esse caminho, isto é, apresentar a renúncia da sua candidatura.
Questionado sobre as razões se insistir na possibilidade de vir integrar um executivo liderado por um presidente que não o quer na sua equipa, Jorge Barata clarifica que o seu compromisso “é com o PSD” e “não com Daniel Gonçalves”. “Eu estou aqui pelo meu partido, não é pelo Daniel Gonçalves. Acredito que o meu passado autárquico fala por mim e que estou pronto”, conclui.
Newton contra-ataca
Ao “Olhares de Lisboa” Luís Newton, um dos visados em todas estas polémicas, reafirma que os nomes indicados pelo PSD para as diversas listas foram decisões coletivas e não pessoais, salientando que “um presidente eleito não pode obrigar alguém a assumir funções contra a sua vontade e mesmo utilizar o seu nome, contra a sua vontade”.
Em sua defesa, Luís Newton argumenta que “a mesma situação está a ter lugar na instalação dos órgãos da Junta de Freguesia dos Olivais e, presumo, não me irão acusar de estender a minha influência a uma junta ganha pelo Partido Socialista”.
O antigo autarca da Estrela recorda que as “decisões no PSD são tomadas nos órgãos próprios e não são resultado de vontades pessoais. Quanto ao “projeto pessoal” que estou a “arquitetar”, gostaria, genuinamente, de ter algumas pistas sobre ele porque não me ocorre nenhuma”.
Numa indireta muita direta a Daniel Gonçalves, Newton, em declarações exclusivas a Olhares de Lisboa, faz questão de lembrar que “um candidato não é uma instituição. O PSD, em si próprio, é que é uma instituição e que se faz representar, nos termos estatutários, pelos seus órgãos eleitos. No PSD não existem projetos unipessoais de exercício de poder e a nossa ação pauta-se pela construção de pontes, não pela tentativa de purgas ou vinganças pessoais. Todos fazemos falta”.
Entretanto, o nomeado presidente da Mesa da Assembleia de Freguesia constituída ad hoc, Luís Goes Pinheiro, convocou para esta segunda-feira, às 20H30, no Pavilhão Nossa Senhora de Fátima, uma nova reunião de “continuação da sessão da Assembleia de Freguesia das Avenidas Novas, iniciada no dia 27 de outubro“, para discussão e resolução deste problema.


