Militares desfilam no 25 de Novembro sob o signo da polarização

Assinalou-se esta terça-feira os 50 anos sobre o 25 de Novembro de 1975. As comemorações da data, que se estenderam do desfile militar do Terreiro do Paço à Assembleia da República, foram alvo de discórdia política. Um facto é que 50 anos após o 25 de Novembro de 1975, a data que travou a deriva radical do PREC e abriu caminho à estabilização democrática continua a gerar controvérsia, com interpretações opostas, disputas políticas e críticas às comemorações oficiais promovidas pelo Governo.

Lisboa acolheu as cerimónias dos 50 anos do 25 de novembro de 1975, esta manhã, na Praça do Comércio, com uma parada militar e a passagem de caças da Força Aérea. Mas foi sob o signo da polarização entre esquerda e direita que a Assembleia da República assinalou esta terça-feira o 25 de Novembro de 1975.

A primeira contestou o que considera ser uma tentativa de desvalorização do 25 de Abril. A segunda quis conotar a data com o que considera ser o verdadeiro advento da democracia. Por sua vez, o presidente da República afirmou que, para ser “justo”, a sua última intervenção na Assembleia da República enquanto Presidente da República só poderia ter um tema: “os portugueses e Portugal”.

À Direita defendeu-se a importância de comemorar a data que “permitiu a transição para a democracia”, à Esquerda insistiu-se na defesa do 25 de Abril como a data fundadora da liberdade. No último discurso como Presidente da República na Assembleia, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que o tema só pode ser um: “os portugueses e Portugal”.

O Presidente da República começou o discurso com a referência a António Ramalho Eanes, que estava na tribuna de honra da sala de sessões. Marcelo faz o elogio, mas também expressou a sua “mágoa” porque “a história da democracia portuguesa nunca conseguirá explicar que a humildade do general Ramalho Eanes tenha impedido elevar ao marechalato” em vida o primeiro Presidente da República eleito em democracia.

Spínola e Costa Gomes foram tornados marechais em vida. Mas Ramalho Eanes recusou, em 2000, essa honra militar.

Na sua última intervenção na Assembleia da República enquanto presidente, Marcelo Rebelo de Sousa quis falar dos portugueses e de Portugal. “Capazes do melhor no heroísmo dos momentos decisivos, às vezes menos consistentes no heroísmo anónimo de todos os dias. Mas, no heroísmo anónimo, melhor o povo do que as chamadas elites – mais batalhador e liderante do que elas”, declarou.

O presidente considerou que “não somos perfeitos, cometemos erros, que o eram na altura e outros só o são ou são sobretudo à luz das ideias de hoje, mas prosseguimos um caminho que fez de nós um país multicultural, uma pátria aberta ao mundo e nele muito prestigiado”.

Marcelo Rebelo de Sousa destacou que a temperança, o equilíbrio, a sensatez, a moderação dos portugueses no 25 de Novembro talvez tenham sido mais evidentes “do que em tantos lances durante a Revolução”.

“Entre o risco da violência e a temperança, no 25 de Novembro venceu a temperança”, sustentou.

Considerando que a pátria ganhou com esses acontecimentos, o presidente afirmou que “não houve regresso ao passado derrotado em abril de 1974, mas também não houve construção de um futuro imediato”.

Todos nós aqui presentes e todos os portugueses acreditamos que a nossa pátria pode ser eterna. Enquanto mantivermos essa convicção e por ela nos batermos, unidos no essencial e com temperança, seremos eternos. Viva ao 25 de Novembro! Viva ao 25 de Abril! Viva à liberdade, viva à democracia, viva Portugal”, concluiu assim o seu discurso.

Exercícios de comparação

Mais um ano, mais uma polémica com a sessão solene dos 50 anos do 25 de Novembro. E o presidente da Assembleia da República não deixa passar em branco essa divisão entre a esquerda e a direita. No seu discurso, José Pedro Aguiar-Branco começa por dizer que dispensa os “exercícios de comparação”, saindo em defesa da importância das duas datas.

“50 anos depois, ainda é estranho ouvirmos dizer que esta data divide. É estranho ouvir dizer que a data é fraturante. Evocar o 25 de novembro é evocar quem lutou pela democracia que hoje temos. É lembrar que não devemos dar a democracia por adquirida”, afirma Aguiar-Branco.

O presidente do Parlamento frisa que foi o 25 de Novembro que permitiu a consolidação da democracia e o respeito pela liberdade de expressão, sendo que democracia liberal é o único sistema que permite “espaço para quem propõe sessões solenes”, mas também para quem se “opõe” ou rejeita estar presente em sessões solenes, num recado para o PCP que volta a estar ausente na cerimónia.

“As críticas e as cadeiras vazias neste Plenário são o testemunho vivo do importante lugar desta data na História. É por causa do 25 de novembro que as críticas existem, sem serem caladas. É por causa do 25 de novembro que as cadeiras vazias podem, amanhã, ser novamente ocupadas”, acrescenta.

Virando-se para as futuras gerações, Aguiar-Branco afirmou que os mais jovens são mais qualificados, mas tem hoje menos oportunidades num mundo cada vez mais “polarizado” e com cada vez mais desafios, como a “inteligência artificial”, mas também ameaças, como a “emergência climática”.

“Não há herança que vos valha, nem condição que vos condene. Porque, 50 anos depois, estamos em abril outra vez. Só é preciso que acreditem que é possível chegar a novembro. Só é preciso que sejam melhores do que nós”, defende, sublinhando que ninguém deve ficar “resignado” face aos atuais desafios ou fechar-se em “trincheiras ideológicas” ou “semânticas”

“Ou preparamos a mudança, ou somos engolidos por ela”, adverte, apontando para a necessidade de os atuais políticos e decisores deixarem “instrumentos” e “recursos” para um “país melhor”. “É nossa responsabilidade garantir que esta geração é melhor do que a nossa”, conclui.

Guerra das rosas

O deputado Pedro Alves, do PSD, ao repor na tribuna os cravos retirados por André Ventura antes de começar a discursar, deu “uma bofetada de luva branca” ao líder do Chega. “Os portugueses dispensam discussões sobre a metafisica das datas”, diz o deputado escolhido pelo PSD para discursar nesta sessão solene, que assinala a data que “garantiu que Portugal transitasse para um regime pluralista e representativo”.

Pedro Alves assinala que, no 25 de Novembro, “os democratas venceram e, em nome da reconciliação nacional, os vencidos foram perdoados”, mas acrescentou: “Tivessem eles vencido e estaríamos no Campo Pequeno.”

“Os democratas venceram e a suprema ironia é que os revolucionários de ontem são hoje burgueses reacionários. Os democratas venceram e perdoaram e amnistiaram, mas não esquecem”, acrescenta o deputado social-democrata.

Ventura o mal educado

Tal como na cerimónia do ano passado, o discurso de André Ventura começou com um protesto de vários deputados da esquerda, especialmente do PS, quando o líder do Chega começou por remover do púlpito os cravos colocados pelas deputadas do PAN e do BE para dizer que “hoje é dia de rosas brancas e não de cravos vermelhos”.

Ultrapassado o momento simbólico e do protesto, André Ventura, no seu estilo truculento, continuou a atacar a “extrema-esquerda”, e pouco tempo depois de iniciar a intervenção pediu que ruas com os nomes de personalidades ligadas à esquerda, como Otelo Saraiva de Carvalho ou Álvaro Cunhal, sejam renomeadas para “Rua Ramalho Eanes” ou “Rua Jaime Neves”.

O líder do Chega e candidato presidencial considerou que o Parlamento “faz justiça, não ao dia que criou a liberdade, mas ao dia que salvou a liberdade”. Falou no 25 de novembro como um dia de “resistência” e de correção de “desvios”, desde a “epidemia de corrupção” à mais contemporânea “cultura de cancelamento” e à carga fiscal “que também nos expropria”.

Mas Ventura não terminou sem voltar a criticar Marcelo Rebelo de Sousa por ter ido à cerimónia dos 50 anos de independência de Angola, em que o Presidente angolano recordou os portugueses como esclavagistas e opressores. “Ao ficar calado perante a ignomínia, a ameaça e a categorização de um país inteiro com nove séculos de história, foi indigno da posição que tem e traiu os portugueses, os atuais e os passados”, condenou o presidente do Chega.

PS acusa Governo

Já Marcos Perestrello, do PS diz que o seu partido celebra o 25 de Novembro com “orgulho e alegria”, mas achou “péssima a ideia do Governo a de comemorar o 25 de Novembro nos termos e nos modos em que o faz.”

Prosseguindo o ataque ao Governo, afirma que “esse plano intenta fazer uma apropriação mistificadora e manipuladora de um acontecimento histórico, mais própria de regimes não democráticos que tentam controlar e impor a sua versão do passado para, como mostram George Orwell e Milan Kundera, controlar o presente e o futuro”.

“A maneira ilegítima como o governo, com a maioria que o apoia, quer apropriar-se do 25 de Novembro, instrumentalizando-o, constitui mais uma ação de subordinação à extrema-direita saudosista, que na verdade o que quer é encontrar um pretexto para negar o 25 de abril, a sua proeminência, o seu lugar cimeiro, fundamental e incomparável, que fechou o ciclo de 48 anos de ditadura. É um plano comemorativo que acaba por resultar contra o próprio 25 de Novembro, falseando o que ele foi e representou, maculando o seu espírito e a sua memória, deturpando o seu desígnio e o seu significado”, acusa ainda.

Depois de saudar, com “louvor e gratidão”, o general Eanes e os outros militares do Grupo dos Nove (os moderados das Forças Armadas vencedores do 25 de novembro), o deputado do PS assinala a data como “o culminar de um movimento de resistência civil à perversão totalitária do 25 de Abril”.

O 25 de novembro, diz, “não foi, como agora se quer fazer crer, uma vitória da direita sobre a esquerda”, mas antes “uma vitória da democracia e da liberdade sobre os projetos revolucionários vanguardistas que tinham posto o país à beira da guerra civil” e “uma vitória do PS e dos democratas que se lhe juntaram sobre as forças não democráticas de esquerda e de direita”.

“Tal como a esquerda não democrática foi derrotada, também a direita não democrática sofreu uma pesada derrota ao ter sido impedido o regresso ao passado, a ilegalização do PCP e proibidas depois na Constituição as organizações fascistas”, acrescenta, citando Malraux para salientar o carácter único do 25 de novembro: “Em Portugal, pela primeira vez na história, os mencheviques venceram os bolcheviques.”

Dizendo que na altura a “direita democrática” estava “enfraquecida, amedrontada e desorientada e com as lideranças ausentes ou paralisadas”, Perestrello afirma a capacidade que o PS teve na altura de mobilizar e liderar “vastos sectores da sociedade civil”, representando a data uma “vitória da legitimidade eleitoral democrática contra o vanguardismo antidemocrático e o anarco-populismo”.

IL  contra “radicalismo revolucionário”

Mariana Leitão, da Iniciativa Liberal, afirma que o 25 de Novembro foi o dia em que Portugal “recuperou o rumo da liberdade”, numa altura em que o país “corria o risco de perder tudo o que tinha conquistado no ano anterior”.

“A história mostrou-nos, nesse mesmo ano de 1975, que a liberdade nunca está definitivamente conquistada. Basta um momento de imprudência, de fundamentalismo ou de tentação autoritária para que tudo aquilo que parece garantido se torne frágil.”

Lembrando figuras marcantes desse período, como Mário Soares, Ramalho Eanes, Jaime Neves e Sá Carneiro, destacou a “serenidade rara” e “coragem inabalável” com que recusaram o “radicalismo revolucionário”.

Livre: 25 de Abril é data da liberdade

Jorge Pinto, do Livre, lamentou que haja quem queira “revisitar o passado para moldar o futuro”, mas há dados que são incontornáveis, garante: “A data fundadora da liberdade e da democracia é o 25 de Abril”.

Reconhecendo que outras datas foram relevantes para um Portugal democrático e pluralista, diz, no entanto, que nenhuma “se aproxima da data fundadora” e acrescenta que é apenas em Abril que os portugueses “saem à rua com paixão”.

Diz ainda que esta deve ser uma oportunidade para discutir o futuro, nomeadamente a eliminação da violência contra mulheres e a melhoria do acesso ao SNS e à habitação.

O líder parlamentar do CDS começou o discurso por relembrar e pedir desculpa aos cidadãos portugueses detidos “arbitrariamente” no período do PREC por “perseguição ideológica”, afirmando que o 25 de Novembro foi o dia em que o país disse ‘não!’ ao autoritarismo.

Como conquistas de Novembro, diz não ter dúvidas que sem o 25 de Novembro não teria sido possível escolher o primeiro Governo Constitucional e que Mário Soares não teria condições para iniciar o processo de adesão à comunidade europeia, acrescentando: “Novembro não substitui Abril, completa Abril e por isso é que tem de ser comemorado”.

Mortágua de cravo ao peito

Vestida de vermelho e de cravo ao peito, Mariana Mortágua afirmou que a sessão solene dos 50 anos do 25 de Novembro não é uma homenagem à democracia, mas uma “tentativa de reescrever a história”.

A deputada única do BE defende que o 25 de Novembro não fundou a democracia e acrescenta: “Nem três Salazares conseguiriam apagar da memória do povo português o dia que anunciou o fim da ditadura”.

Afirmou ainda que Abril não é uma data nem uma cerimónia, mas uma “promessa viva de liberdade e justiça”.

PAN fala de má educação

Por seu turno, Inês Sousa Real destacou o 25 de Abril como o momento em que o povo “escolheu a dignidade em vez do medo” e o 25 de Novembro como o momento em que o povo decidiu que uma democracia pluralista seria “a regra”. Mas acrescenta: o que tornou este período “extraordinário” não foi a ausência do conflito, mas sim o contrário.

“Esses meses ensinaram-nos que um povo dividido pode encontrar chão comum quando põe de lado os desejos de vingança.”

Lamentou, no entanto, que, ao olhar para o hemiciclo, se vejam outra vez “trincheiras”: não pelas mãos do povo, diz a coordenadora do PAN, mas pelos discursos que “transformam questões de justiça em arenas culturais” e pela cordialidade entre pares transformada, “tantas vezes”, em “má educação institucionalizada”.

JPP: 25 de Novembro incomoda 

O deputado único do JPP, o primeiro a subir à tribuna do parlamento, afirmou que o 25 de Novembro é uma data que celebra um país que poderia ter “caído no abismo”, mas que não caiu por ter havido “quem tivesse coragem e sangue-frio”.

Num discurso de três minutos, Filipe Sousa diz que apesar de “incomodar muitos”, incomoda sobretudo “quem nunca fez as pazes com o facto de Portugal ter escolhido a liberdade e não a radicalização”, e deixou um aviso para o futuro: a liberdade e a democracia não vivem de gritos nem manipulações, mas de responsabilidade, coragem e verdade. “Se não denunciarmos novos radicalismos, estamos a repetir o erro de quem, há 50 anos, achou que não era nada até ser quase tarde demais”.

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