O Papa Leão XIII disse um dia que o Santo António é “o santo de todo o mundo”. Se é verdade que a devoção joanina pelo globo é inquestionável, também é certo que a figura de Santo António se tornou um ícone nacional, mesmo entre aqueles que estão afastados da Igreja.
Batizado com o nome Fernando de Bulhões, nasceu a 15 de agosto, em Lisboa, entre 1191 e 1195, na Rua das Pedras Negras, junto à Sé de Lisboa. Na casa onde nasceu e viveu a sua infância está hoje a Igreja de Santo António, e na Cripta é possível ver um pedaço de um dos ossos do santo, autenticado por Bula, bem como no altar existe um outro pedaço de osso do santo casamenteiro.
O “militar” que se tornou santo
Segundo filho de uma prole de quatro, Fernando de Bulhões estava destinado pela conduta da época a seguir a vida militar. Numa Europa medieval que andava em constante peleja, os filhos da classe mais alta eram instantaneamente conduzidos para a arte da guerra.
Educado no seio de uma família da baixa nobreza para ser cavaleiro, mostrou-se avesso a seguir o rigor da vida militar. A “guerra” dele seria outra. Desde tenra idade, sentiu o “chamamento” do cristianismo e da necessidade de seguir os desígnios da evangelização. E foi essa a missão da sua vida.
Fernando de Bulhões passou a infância na zona da Sé, entre brincadeiras próprias da idade e um despertar precoce para a causa de Cristo. Não havendo relatos históricos da vida do santo enquanto criança, presume-se que terá sido um miúdo feliz, que brincou como o comum dos mortais pelas ruas da zona da Sé, como nos narra o historiador Pedro Teotónio Pereira, olissipógrafo e diretor do Museu de Santo António.
Desde cedo, revela grandes dotes oratórios e uma particular paixão pelo mundo dos livros, que se traduz numa inusitada sapiência para alguém de tão tenra idade.
Na adolescência pede autorização para ingressar na Ordem dos Cônegos Regrantes de Santo Agostinho, na Igreja de São Vicente de Fora, partindo mais tarde para Coimbra, onde estudou teologia – Coimbra era, na época, o centro do saber e a cidade mais próspera do reino. A busca pela introspeção e a simplicidade conduzem-no até à recém-criada Ordem Franciscana e a abandonar, não só o hábito de agostinho, mas também o seu nome. Fernando adota então o nome de António, em homenagem ao eremita Santo Antão, e dedica-se a pregar as escrituras, que tão bem conhece, sobretudo após a sua mudança para Itália.
A imagem austera do único doutor da Igreja lusitano dá lugar ao popular e familiar “Sant’Antoninho”, o santo do povo, a quem tudo se pede. Mesmo as tarefas mais hercúleas. Protetor das Almas do Purgatório, propiciador de bons casamentos, advogado dos objetos perdidos, a sua imagem é omnipresente no imaginário coletivo nacional (e mundial), quer através da devoção intimista que tem expressão nos registos, medalhas, pagelas, orações e imagens, das mais toscas às elaboradas, quer através de manifestações exteriores de fé.
Santo António de Lisboa é também tido como um dos intelectuais mais notáveis de Portugal do período pré-universitário. Tinha grande cultura, documentada pela coletânea de sermões escritos que deixou, onde fica evidente que estava familiarizado tanto com a literatura religiosa como com diversos aspetos das ciências, referenciando-se em autoridades clássicas como Aristóteles, Plínio, Cícero, Séneca, Galeno, entre muitas outras. A fama do seu grande saber chegou rapidamente a todo o lado e converte-o numa das mais respeitadas figuras da Igreja Católica do seu tempo. Lecionou em universidades italianas e francesas e foi o primeiro Doutor da Igreja franciscano. São Boaventura referiu que ele possuía a ciência dos anjos.
Curiosidades sobre o santo
Pedro Teotónio Pereira revela ao “Olhares de Lisboa” um manancial de curiosidades menos conhecidas sobre o padroeiro de Lisboa Os marinheiros dos Descobrimentos, devotos de “Sant’Antoninho’, punham uma imagem de Santo António nos mastros dos barcos que “deram novos mundos ao mundo”. Se não houvesse vento, viravam-no ao contrário, como castigo.
As mulheres em idade para casar executavam igual punição. Pondo-o de cabeça para baixo, caso não ouvisse as suas preces no sentido de encontrarem um noivo.
Para o olisipógrafo, não há nada de desrespeitoso nestas atitudes punitivas, apenas comprovam a cumplicidade entre o povo e o santo. “Estas punições não eram executadas por maldade, obedeciam antes a uma proximidade e ligação muito fortes entre o povo e o seu santo. Era como se fosse alguém da família, alguém muito próximo”, justifica.
Esta vizindade entre populares e esta venerável personagem religiosa não tinha (não tem) paralelo em momento algum da História da Humanidade. Por alguma razão este santo continua a ser hoje um dos mais venerados. E não é só Portugal e Itália, onde ficou sepultado e viveu metade da vida. Os brasileiros, por exemplo, fazem autênticas romarias aos locais identificados com o santo e constituem o grosso dos visitantes do Museu de Santo António, reconhece Teotónio Pereira.
Santo António nasceu efetivamente em Lisboa, mas tornou-se um ícone religioso planetário, assumindo inúmeros títulos, nomeadamente o de padroeiro de Portugal (a par de N. Sra. da Conceição), padroeiro de Lisboa, dos barqueiros, dos náufragos e marinheiros, dos pescadores e agricultores, dos feirantes e animais, dos cavalos e dos burros, dos pobres e dos oprimidos, das solteiras, das grávidas e das estéreis, dos namorados e do casamento. E a lista ainda não acaba aqui. Foi também nomeado protetor dos lares e das famílias, da pureza e da virgindade, advogado das almas do purgatório, invocado para encontrar objetos perdidos e pessoas desaparecidas, a quem os aflitos pedem ajuda para encontrar emprego e auxilio nos problemas financeiros.
Em suma, converteu-se no “santo de todo o mundo”, como referiu o Papa Leão XIII (1878 – 1903), e naquele em que os desvalidos da Sociedade mais confiam e a quem mais recorrem nas horas de maior aperto.
Fernando Pessoa, o outro ícone maior da capital, deve o seu nome de batismo (Fernando António) ao Santo António. Nasceu no dia 13 de junho, dia de Santo António, tendo sido “abençoado” com o génio que o tornou planetário e imortal.
Milagres e lendas
São muitos os milagres atribuídos a Santo António, ocorridos tanto em vida como após a morte, recorda Teotónio Pereira.
Depois ter aprendido em Portugal tudo o que era possível saber naquela altura, a sua natureza curiosa e o seu insaciável desejo de aprender levaram o jovem a embarcar para o Norte de África, com a intenção de evangelizar os povos, dando-lhes a conhecer a palavra de Deus. Mas nem tudo correu bem. Devido a problemas de saúde, rapidamente, embarcou de regresso a Portugal, onde nunca aportou. O barco em que navegava foi atingido por uma tempestade que desviou a sua rota para a Sicília, tendo depois rumado para o centro de Itália, onde se encontrava S. Francisco de Assis, que o influenciou decisivamente no seu caminho religioso. Passado pouco tempo, tornou-se franciscano, tomando o nome de António. Começou a manifestar dotes de orador, tendo ficado famoso pela simplicidade e força dos seus sermões. Santo António morreu aos 36 anos e foi canonizado pelo Papa Gregório IX, um ano apenas após a sua morte,
Segundo reza a lenda, “Santo António foi um dia pregar à cidade de Limoges, em França. Dizia-se que os seus sermões eram ouvidos por mais de 30 mil pessoas de cada vez e que, por isso, era obrigado a pregar ao ar livre. Estavam todos em silêncio a ouvir o Santo quando desabou uma grande tempestade sobre a multidão, que ficou atemorizada pela violência dos raios e dos trovões. Santo António, porém, aconselhou os ouvintes a ficar assegurando-lhes que, com a ajuda de Deus, nem uma gota de chuva os atingiria. O local onde estavam os populares que o ouviam ficou enxuto, enquanto, à volta, ficou completamente encharcado”, sublinha o especialista.
Também o “sermão aos peixes” ficaria célebre na história de Santo António. Certo dia, já cansado de pregar para quem não o queria ouvir, virou-se para o rio e deu início a um eloquente solilóquio. Milhares de peixes vieram à tona para “ouvir” as palavras do orador maior da Igreja católica.
O historiador sublinha, todavia, que o santo de Lisboa e do mundo ficou conhecido por ter convertido inúmeros hereges pelos locais onde passou.
Roteiro de Santo António
A Igreja de Santo António de Lisboa foi edificada na casa onde o santo nasceu, em 1195. O local também comporta um museu com itens relacionados com o santo, como algumas de suas relíquias. Bem perto, encontra-se a Catedral da Sé, a mais antiga catedral de Lisboa, construída em 1147, quando o D. Afonso Henriques conquistou a cidade dos mouros. Ali se encontra pia batismal em que Santo António foi batizado quando criança.
Há ainda a Igreja de Santo Estêvão, cuja construção inicial data do século XII, apesar de ter sido reconstruída depois do terremoto de 1755, e o Mosteiro de São Vicente de Fora, erguido a partir de 1582 quando D. Afonso Henriques mandou construir um templo em homenagem ao santo.
Quem é o verdadeiro santo padroeiro de Lisboa?
Existe a dúvida de quem é realmente o santo padroeiro da cidade de Lisboa. O diretor do Museu de Santo António esclarece que Santo Vicente é, na realidade, o padroeiro da diocese de Lisboa, “que vai quase até às Caldas da Rainha”, mas o “verdadeiro” padroeiro da cidade de Lisboa “é indubitavelmente Santo António”.
A Sé de Lisboa tem as relíquias de São Vicente, o santo que terá ajudado D. Afonso Henriques nas suas conquistas e que é considerado o “santo da nobreza”.
Lisboa tem como símbolo um corvo. É uma homenagem ao Santo Vicente, cujo barco com o seu corpo terá sido acompanhado por dois corvos numa viagem marítima do Algarve até Lisboa, onde foi sepultado.
PROGRAMA
Dia 14
21h30 – Santo António, Guerreiro de Deus
Dia 15
17h00 – Best of Monstrinha
21h30 – Concerto de Raquel Tavares