Morar no Alto da Montanha representa “um sonho de vida”

A cerimónia da entrega das chaves das casas do Alto da Montanha ficou marcada pelas críticas veementes de Isaltino Morais ao impasse na lei dos solos. O autarca considerou que foi essa lei que precipitou a queda do Governo de Montenegro. O primeiro-ministro e o autarca concordaram que a cristalização da lei dos solos vai prejudicar o acesso dos mais necessitados ao direito de terem uma habitação condigna.

Oeiras foi hoje o centro mediático nacional. Um batalhão de jornalistas e repórteres dos principais meios de comunicação social deslocaram-se ao bairro do Alto da Montanha, em Carnaxide, para, provavelmente, ouvir as palavras do primeiro-ministro sobre a crise política instalada no país, mas Luís Montenegro escusou-se a comentar os contornos da vida política nacional, proferindo apenas uma intervenção sobre a entrega das chaves dos novos apartamentos de renda acessível do Alto da Montanha, um novo empreendimento habitacional que vai acolher 64 famílias do concelho.

E foi num ambiente de verdadeira festa que a cerimónia ocorreu. Antes da cerimónia começar, várias dezenas de pessoas, entre moradores anónimos e entidades oficiais, trocavam opiniões e abraços de felicidade pelo momento que estaria prestes a acontecer.

O morador Daniel Pinto, por seu turno, manteve-se discreto, mas com um esboço de sorriso no rosto durante largos minutos, à margem do centro nevrálgico do acontecimento. Com admiração, observava o empreendimento que passará a ser a sua nova casa. Faz parte do grupo de 64 famílias que irão habitar num dos apartamentos, e não podia “estar mais feliz” por, finalmente, poder ir morar com a sua mãe “para uma casa condigna”, que representa “um sonho de vida”.

Daniel Pinto revela, em exclusivo ao Olhares de Oeiras, que há muito que ele e mãe aguardavam por este momento. “Hoje é um dia muito feliz, é um dia de festa. Ao preço que estão as casas hoje, temos muita sorte por termos conseguido vir morar para uma destas casas, que são excelentes, e ombreiam com empreendimentos de luxo”, confidencia.

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Para o morador, sem o investimento do Estado neste tipo de habitações, “era impossível sonhar” em ter uma casa nova. E faz questão de enaltecer o papel do Município de Oeiras, que “está muito à frente” nas políticas de habitação nível nacional e “é um claro exemplo” de que é “possível acudir às necessidades das pessoas”.

“Se não fosse a ajuda do Governo e do presidente Isaltino Morais, não seria possível estarmos a viver este sonho”, reitera o técnico administrativo.

Obra do “bloco central”

Isaltino Morais, por sua vez, aguardou pacientemente entre a multidão pela chegada do primeiro-ministro, que compareceu dentro do horário previsto. Depois dos cumprimentos protocolares, o autarca fez-se acompanhar de Luís Montenegro para descerrar a placa alusiva à inauguração, atirando: “Sr. primeiro-ministro, vamos inaugurar uma obra do ‘bloco central’…”, o que provocou uma gargalhada entre os assistentes.

Durante o discurso oficial, já dentro do empreendimento, que foi recebido com uma ovação pelos presentes, explicou aquilo que queria dizer com o condomínio do Alto da Montanha ser uma “obra do ‘bloco central’”.

“Conforme prevê a Constituição da República Portuguesa, a habitação é um direito fundamental.  Quer com isto dizer que se trata de um alicerce para uma vida digna, à qual todos cidadãos têm direito. Saliento o óbvio porque este processo de construção de habitação pública começou com um governo de uma cor, e tem continuado com um governo de uma outra cor política. Refiro-me ao PS e PSD, respetivamente. Esta aposta na habitação pública, enquanto garante da dignidade humana, alicerça-se na ação governativa de ambos os partidos que representam o centro. Os únicos que representam o conceito de moderação e democraticidade no nosso país”, explicou.

O líder do Município de Oeiras aproveitou o momento para lembrar um dos seus cavalos de batalha: a necessidade de Portugal aumentar substancialmente a construção de habitação pública. “Por diversas ocasiões, tenho salientado a discrepância gritante entre os fogos de habitação pública existentes em Portugal e os existentes nos países mais ricos e desenvolvidos do continente europeu. Sabendo que não somos ricos, algo de errado aconteceu no acesso à habitação neste país. Relembro que ainda recentemente, num relatório da OCDE, Portugal surgia em 1º lugar no que respeita às dificuldades de acesso à habitação”, sublinhou.

O repto de Portugal ter 10% da habitação pública

E na sequência da sua luta pelo crescimento da habitação pública em Portugal, lançou o repto aos partidos do arco da governação para que “efetivamente, nasça, hoje, entre esses dois grandes partidos, um verdadeiro pacto de regime, que permita alcançarmos em Portugal, um mínimo de 10% de habitação pública nos próximos 10 anos. E só esta referência a 10 anos é já determinante para a necessidade de um pacto de regime entre os dois partidos democráticos do nosso país”, uma vez que, “reconhecida, por PS e PSD, a necessidade de resolver as dificuldades de acesso à habitação, não podemos desistir desse objetivo pelo facto dessa tarefa ultrapassar o horizonte do mandato de um governo”, pois a missão de devolver aos portugueses “o direito à habitação é uma tarefa para vários mandatos, por certo para vários governos, e naturalmente para diferentes partidos”, concretizou, acrescentando: “Chamo a atenção para a grandeza deste dia. Importa que nos foquemos nos interesses das pessoas, nos seus direitos e na sua dignidade. Este desafio, que lanço desde Oeiras, o 1º município português a erradicar as barracas, incide, não sobre um capricho ou um desejo, mas sobre algo que a todos nos une”.

Para Isaltino Morais, os desafios que o sistema democrático contemporâneo atualmente enfrenta, “implicam que os grandes partidos sejam capazes de gerar e encontrar os consensos que são o chão comum da democracia. E é por isso que chamo a atenção para a magnitude e para a importância deste dia, que marca claramente o recentrar das políticas governativas do país nos interesses das pessoas”, nos verdadeiros interesses dos cidadãos, nos seus direitos, e na sua dignidade: “sobrevivência, segurança, saúde, educação e os demais direitos sociais e económicos. É esta a pirâmide de direitos que defendemos”, proclamou.

Para muitos, o edifício é somente um novo prédio construído por uma autarquia para a sua população, mas “aos meus olhos, pelos olhos de quem sempre defendeu o direito à habitação, o foco não está somente na excelência da construção, mas, hoje, o foco dos meus olhos são as centenas de rostos. São estas 64 famílias que aqui viverão e que hoje recebem as chaves para uma vida nova. São muitas vidas que preencherão estas paredes com os seus sonhos, com as suas alegrias, e que a partir de hoje podem dizer que têm futuro. Hoje, enquanto sociedade, entregamos a estas famílias a possibilidade de terem uma vida digna”, reiterou o edil.

“O impacto nefasto da cristalização da lei dos solos”

Por outro lado, o discurso de Isaltino Morais, que se assumiu como “social democrata”, terá deixado as orelhas a arder dos líderes dos partidos mais radicais (à esquerda e à direita). Atirou várias farpas para aqueles que criticaram a alteração da lei dos solos, que é uma reivindicação antiga de Isaltino Morais. “O Alto da Montanha, este prédio onde estamos, é o muro que defende o humanismo do populismo, da propaganda radical, dos idealismos contrários ao bem-estar das pessoas. Este prédio é um símbolo de combate às desigualdades, um marco na defesa de uma sociedade mais igual. Ao mesmo tempo, a inauguração deste prédio é a prova de que as políticas assumidas em 2014 pelo governo da época estavam erradas”, assumiu, explicando que, se a lei 31 de 2014 não estivesse errada, “não teríamos chegado ao estado a que chegámos, nem estaríamos perante a realidade de ao fim de uma década existirem milhares de pessoas vedadas de um direito fundamental: a habitação. Se o impacto nefasto da cristalização de solos, provocada pela lei do Governo de Passos Coelho, não tivesse resultado numa crise habitacional sem precedentes… Se, fruto dessa manobra, o preço dos terrenos para construção não tivesse quadruplicado, e se o acesso à habitação não tivesse sido negado a milhares de agregados, talvez, hoje, esta inauguração não tivesse o peso e a importância que tem.

E esclareceu que a impossibilidade de construção de habitação “não protegeu o País de coisa nenhuma. Pelo contrário, tirou a milhares e milhares de pessoas o acesso a um direito constitucional fundamental: o direito à habitação”.

Depois de apontar o dedo à inércia do governo de Passos Coelho, que foi manietado pela “pressão populista da extrema-esquerda que lançou o país para a crise habitacional que hoje vivemos”, a coberto de “ideias erradas e propagandistas” de defesa do ambiente, o Governo cedeu e “lançou para a pobreza milhares de famílias, criando o paraíso de ricos que alguma esquerda tanto deseja”.

De acordo com o autarca, a diminuição de terrenos urbanos para construção de habitação “tornou certamente muita gente feliz”, mas “não foram os trabalhadores portugueses, nem os cidadãos de classe média ou baixa que se alegraram. Alegraram-se, em especial, os proprietários dos poucos terrenos urbanos existentes que, agradecendo à esquerda proto-ambientalista, usufruíram da ação especulativa do Estado, e ficaram ricos da noite para o dia”, porque, segundo o edil, esses proprietários tinham na mão os últimos terrenos para construção disponíveis no país.

Montenegro em sintonia com Isaltino

O primeiro-ministro demissionário, por seu turno, ouviu e respondeu, questionando que interesses serviu quem criticou a lei dos solos. E defendeu que não foram os cidadãos da classe média ou das famílias mais carenciadas, e afirmou que a legislação serve para travar a especulação.

Segundo o (ainda) primeiro ministro, “só quem não sabe do que está a falar” é que pode argumentar que a lei dos solos foi feita “para alimentar a especulação imobiliária”.

Depois de lembrar que, ao abrigo desta lei, um terreno rústico só pode ser convertido em urbano quando esteja “ligado a núcleos urbanos consolidados”, Montenegro sublinhou que esse espaço seria destinado para habitação “com uma limitação de preço” e que isso representa “tudo menos especular, é fazer o contrário, é travar a especulação”, defendeu, após o discurso Isaltino Morais elogiar a lei dos solos e alegar que a atual crise política começou precisamente porque o Governo quis alterar essa legislação.

“Porque, quando nós vemos tantas vozes a levantar o seu temor, a contaminar o debate com equívocos, com a manipulação da informação e dos objetivos, de facto nós perguntamos: que interesse é que aqueles que o fazem estão a querer servir? Há uma coisa que eu tenho a certeza: não é o interesse das famílias com mais dificuldade e das famílias da classe média que precisam de resposta”, defendeu.

Montenegro assegurou que o seu Governo, “desde a primeira hora”, considerou que o “problema da habitação” tem de se resolver “utilizando a capacidade pública, dos investimentos públicos, e também dos investimentos privados”.

Recordando que o anterior Governo tinha previsto construir 26 mil habitações através de financiamento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), Montenegro referiu que, “curiosamente”, o seu executivo foi acusado “de ter um alinhamento político contrário a esse caminho de investimento público e, portanto, houve até o temor de que essas 26 mil casas podiam não ver a luz do dia”.

“E a decisão que o Governo tomou foi modificar o objetivo e passar de 26 mil novas casas públicas para 59 mil novas casas públicas: nós mais do que duplicámos o objetivo”, sublinhou.

Luís Montenegro defendeu que é possível, através de políticas públicas, “condicionar o mercado e os promotores imobiliários”, considerando que o Estado deve “dar incentivos àqueles que são capazes de construir e colocar no mercado habitação a custos mais acessíveis”, porque, levando a cabo estas medidas, “não estamos a ter uma intervenção excessiva no mercado e na economia. Nós estamos a fazer a intervenção que é necessária para modelar os preços”, sustentou.

Montenegro reforçou ainda que as medidas de respostas à crise na habitação permitem criar mais coesão social e competitividade económica.

As casas do Alto da Montanha são as primeiras em Portugal construídas com o apoio do PRR, fruto de uma parceria com o Município de Oeiras.

A cerimónia de inauguração contou com a presença do ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, para além de Manuel Castro Almeida, ministro Adjunto e da Coesão Territorial, a tutela que gere os fundos do Plano de Resiliência e Recuperação (PRR), e Patrícia Gonçalves Costa, secretária de Estado da Habitação, e ex-diretora do departamento municipal da habitação da Câmara de Oeiras.

 

Isaltino Morais lembrou a importância do papel da ex-responsável do Município de Oeiras em muitos dos projetos de habitação pública que foram levados a cabo no concelho. Os moradores celebraram a evocação do nome de Patrícia Gonçalves da Costa com um enorme salva de palmas.

 

 

 

 

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