O primeiro-ministro defendeu que a habitação é tão prioritária no desenvolvimento do país que “não pode ficar dependente” dos dividendos de qualquer banco, numa crítica implícita a uma proposta do PS, nem tão-pouco “matar” a oferta privada de habitação com medidas que estabeleçam tetos nas rendas.
Começou hoje, dia 10, o I Congresso Internacional da Habitação Pública no Taguspark, em Oeiras. O congresso dura dois dias, tem vários especialistas portugueses e estrangeiros e conta com mais de 700 inscrições, feitas por pessoas que vieram de todo o país (com muitos autarcas e presidentes de câmara) para assistir ao primeiro grande debate sobre a habitação pública em Portugal.
O Município de Oeiras é reconhecidamente um concelho vanguardista em termos de implementação de políticas de habitação pública integradoras e no combate à exclusão social dos mais desafortunados. Mas nem sempre foi assim. E o presidente da Câmara de Oeiras, Isaltino Morais, fez questão de mostrar ao primeiro-ministro, que fez a sessão de abertura do evento, a realidade encontrada no seu primeiro mandato, nos anos 80, conduzindo Luís Montenegro pela entrada no congresso em que se recriou aquilo que existia em Oeiras nessa época: uma barraca de madeira onde se mimetizaram as condições de vida infra-humanas em que viviam milhares de pessoas. Com uma pequena cama, um fogão e um rádio, a casa de banho e o chuveiro ficavam na “rua”, do lado de fora.
Luís Montenegro não terá ficado surpreendido, até porque afirmou que já conhecia essa realidade “nos subúrbios das grandes cidades”, como Lisboa e Porto, mas não deixou de reconhecer o trabalho de Oeiras como ponta de lança da erradicação dos bairros de barracas no concelho e a sua posição pioneira a nível nacional.
Portugal na cauda da Europa na habitação pública
“Quero relembrar a desumanidade que havia nos aglomerados demográficos em torno de Lisboa e do Porto. É importante perceber aquelas realidades”, até porque “há hoje alguns focos à volta das grandes cidades que lembram esse cenário”, recordou, aproveitando para enaltecer o trabalho de Oeiras: “Quero agradecer à Câmara de Oeiras o tanto que tem feito pela habitação pública” – e lembrou que o Governo “aprecia tanto” o trabalho desenvolvido em Oeiras que até recrutou a secretária de Estado da Habitação, Patrícia Costa, à Câmara de Oeiras, afirmou o governante na abertura do congresso.
O primeiro-ministro disse que o Governo está aberto para “ouvir” as câmaras municipais, que “são os principais parceiros do Governo”, em termos de resolução dos problemas de habitação que grassam por todo o território nacional. E lembrou que a realidade portuguesa na oferta de habitação pública “é das que menos expressão tem na União Europeia”.
Como resolver então a falta de oferta de casas, nomeadamente para os mais jovens, a preços justos? Luís Montenegro disse não querer entrar em polémicas pré-eleitorais, mas acabou por se referir, indiretamente, a uma proposta que consta do programa do PS e que passa por utilizar parte dos dividendos da Caixa Geral de Depósitos numa conta corrente estatal que permite financiar as autarquias na construção de habitação pública.
“A habitação é tão prioritária, é tão essencial na estratégia de desenvolvimento do país, que não pode ficar dependente agora do volume de dividendo de uma determinada entidade bancária, mesmo que seja do perímetro estatal. O seu financiamento tem que ser assegurado, ponto final, tem de ser assegurado pelos recursos públicos”, defendeu Luís Montenegro.
Para o primeiro-ministro, o financiamento da habitação tem de passar forçosamente “pelos recursos do Orçamento do Estado, pelos recursos dos fundos europeus e pelos recursos que o Estado pode assegurar de instrumentos de financiamento a baixos custos, nomeadamente através do Banco Europeu de Investimento”, apontou.
“E é isso que um Governo deve assegurar, seja ele qual for, e deve assegurar para o seu mandato e para os mandatos seguintes, para quem vier a seguir, é isso que nós estamos a fazer”, reiterou Montenegro, que apontou baterias para a necessidade de o país ter mais oferta de arrendamento, pondo de parte a fixação de preços (como defende o Bloco de Esquerda), “é preciso estimular o mercado de arrendamento”, mas sem ir contra os interesses de quem arrenda. “Não há possibilidade de nós impormos a um promotor um modelo que não é do seu interesse, porque isso mata o negócio. Isso mata a possibilidade de um equilíbrio entre quem arrenda e quem disponibiliza e está no mercado à procura de uma habitação”, reiterou.
Aumento da oferta pública (e privada)
Montenegro defendeu que o equilíbrio pode ser conseguido através do aumento da construção – quer pública, quer privada – e “dando alguns incentivos ou benefícios em troco da contenção da renda, da renda acessível”.
“As políticas públicas devem, portanto, atuar do lado da oferta, do lado da oferta pública e também do lado da oferta privada, com incentivos para que haja mais casas no mercado para que o preço possa diminuir”, afirmou.
Do lado da procura, considerou que o Estado tem de identificar quem são os alvos prioritários de apoios, como os mais jovens — recordando as medidas do Governo de isenção de alguns impostos na aquisição da primeira casa – e nos mais vulneráveis, mas também a classe media que já não consegue pagar ou alugar uma habitação.
Montenegro reiterou que o atual executivo “mais do que duplicou” o objetivo de construção de novas habitações públicas para 59 mil no âmbito do PRR. E anunciou que quer ir mais longe: “superar as 130 mil novas habitações públicas até ao final desta década”, com este governo ou com outros que lhe sucedam, sustentou o primeiro-ministro.
Retenção de quadros em Portugal
Luís Montenegro afirmou, na mesma medida, que as grandes cidades portuguesas estão a braços com “verdadeiros problemas de retenção de capital humano”, visto ser cada vez mais uma verdadeira miragem conseguir casa nos centros urbanos ou mesmo nas cidades da área metropolitana de Lisboa, em concreto. E exemplificou com a realidade de Oeiras, que é altamente desenvolvida, com uma classe média “que tem mais poder de compra do que a média nacional”, mas que, ainda assim, tem algumas deficiências na oferta de serviços públicos.
Para o governante, Oeiras regista um défice de jardins de infância, de professores ou médicos de família porque esses profissionais “não conseguem aceder ao mercado imobiliário” do concelho. Por isso, reitera que é “fundamental” o Estado e as Câmaras encontrarem soluções conjuntas para pôr no mercado mais oferta, que as pessoas possam pagar.
Montenegro disse ainda que “muitos destes profissionais são obrigados a emigrar” à procura de melhores condições de vida no estrangeiro e que esse quadro tem de mudar forçosamente, para que Portugal não entre numa espiral de pobreza.