No próximo dia 1 de março, o mercado de Arroios completa 80 anos ao serviço da população de Lisboa. É tempo de perguntar, a quem de direito, se o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), contempla uma possível rede de Mercados Municipais da Cidade, ao abrigo do previsto para os Bairros Comerciais Digitais?
Assinalam-se, no dia 1 de março, 80 anos sobre a data de inauguração do Mercado Municipal de Arroios, sem dúvida um dos mais emblemáticos de Lisboa, não só pelo seu enquadramento no tecido urbano, mas também como equipamento comercial, verdadeiramente, de bairro.
Esta data “redonda” poderia funcionar como um excelente pretexto para promover uma reflexão mais aprofundada sobre os Mercados Municipais de Lisboa, fazendo assentar a mesma, por hipótese, numa revisitação do Plano Estratégico dos Mercados Municipais de Lisboa (2016-2020), conferindo, talvez validando, aquilo que foi de facto feito e aquilo que, porventura, ficou ou estará, ainda, por fazer.
De facto, planos para os Mercados sempre houve, quanto mais não fosse a montante do seu próprio processo de construção, no entanto, se há algo que hoje já se sabe com alguma certeza, é que os melhores planos são aqueles que se executam, que funcionam, que geram resultado, que trazem mais valia.
Quem já geriu, num passado, ainda, recente, 29 Mercados Municipais, como foi o caso da Câmara Municipal de Lisboa, deterá experiência, conhecimento e competências para promover um exercício de prospetiva que possa traçar cenários para o futuro de tal formato/equipamento comercial, desejavelmente, no contexto daquilo que é o Comércio de Proximidade existente na sua envolvente mais ou menos … próxima!
Há cerca de dez anos (assinalavam-se, então, os 70 anos do Mercado de Arroios) foi publicado um artigo na revista Distribución y Consumo, em que pude traçar quatro cenários possíveis para o futuro dos Mercados em Portugal.
Não se tratando de qualquer tipo de “exercício de adivinhação”, um dos objetivos consistia, precisamente, em poder contribuir para alertar e sensibilizar os principais atores envolvidos – autarquias, comerciantes, associações, etc… para a situação (“atual e potencial”) e realçar a importância do papel da sua ação com vista à construção de futuro(s) para os Mercados.
Grosso modo, os cenários prováveis foram “desenhados” a partir de dois vetores principais:
- “Pensar a Atividade Económica/Pensar o Comércio”;
- “Pensar o Urbanismo/Pensar a Cidade”.
E contemplando quatro fatores essenciais:
- “Economia Local”;
- “Experiências do Espaço Urbano”;
- “Turismo, Cultura e Património”;
- “Socialização – causas Ambiental, Social, Coesão, Integração”.
Daí resultaram os Cenários, cujas narrativas se traduziram em:
- Cenário 1: “Investir, Desistindo” (“Não os Matem, que Eles Morrem”);
- Cenário 2: “Investir, Desinvestindo” (“Vão-se os Anéis, Ficam os Dedos”);
- Cenário 3: “Investir, Coexistindo” (“Se Não os Vences, Junta-te a Eles”);
- Cenário 4: “Investir, Investindo” (“Via Barcelona”).
Dez anos passaram e a pertinência das ditas narrativas é, no mínimo, discutível, assim como o será qualquer Plano elaborado … ontem, pois um dos problemas, também, dos Planos é que os mesmos são pensados e elaborados no presente, versam o futuro, jamais podendo descurar o passado!
Hoje, num tempo presente em que o “digital” marca a maioria das agendas para o futuro, daí que a palavra-chave, no que concerne aos apoios/incentivos para o setor do Comércio, parece ser a … “digitalização”, perguntar-se-á se terá sido (?) ponderada uma eventual manifestação de interesse, em sede do que está contemplado no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), de uma possível (diria, desejável) rede de Mercados Municipais da Cidade, ao abrigo do previsto para os Bairros Comerciais Digitais? Ou, em alternativa, se terá sido (?) ponderada, sequer, a inclusão de um ou outro Mercado Municipal como uma “Loja” mais de um ou outro Bairro Comercial Digital que se esteja a perspetivar para Lisboa?
O facto de muitas vezes se poder alegar que o Comércio, em geral, tem sido algo descurado, talvez mesmo esquecido, não só ao nível das políticas públicas direcionadas para o setor, como em termos de apoios/incentivos, não pode legitimar que seja o próprio setor e os seus atores a quase “autoexcluir-se” destes processos.
Políticas públicas, apoios e incentivos para o Comércio, em geral, e para os Mercados Municipais, em particular, todos queremos muito, mas ao que parece, … cremos muito pouco!
Por João Barreta, ex-Diretor Municipal das Atividades Económicas da Câmara Municipal de Lisboa