Maria Amélia Carvalheira, escultora de Arte Sacra do século XX, foi homenageada pela Junta de Freguesia de Avenidas Novas este domingo, 8 de setembro, no Jardim Amélia Carvalheira. Autora das imagens dos Pastorinhos e do anjo de Portugal, obras em pedra mármore na loca do Cabeço em Fátima, bem como de várias esculturas de Santos que estão na colunata do Santuário Mariano.
O Memorial da autoria do escultor Carlos Bajouca, colocado no Jardim Amélia Carvalheira (junto à Igreja de Nossa Senhora de Fátima), pretende imortalizar o nome e a obra da conceituada escultora portuguesa, que viveu 60 anos na Freguesia de Avenidas Novas, sendo uma das maiores escultoras de Arte Sacra do Século XX.
A sua obra mais emblemática é O anjo e os três pastorinhos, na Loca do Cabeço, obras em pedra mármore, que estão situadas no local que faz memória da Aparição do Anjo de Portugal na Primavera e Outono de 1916, Nossa Senhora dos Valinhos, Loca do Cabeço, em Fátima.
Mas é no Santuário Mariano que o seu trabalho e talento atingem a maior notoriedade e visibilidade, sobretudo nas seis estátuas da Colunata, de sua autoria: “Santa Tereza de Ávila”, “São João da Cruz”, “São Simão Stock”, “Santo Afonso Maria de Ligória”, “Santo Inácio de Loyola” e “São Francisco de Sales”.
Do espólio da escultora constam as esculturas “Presépio” (1953), em barro policromado, “Nossa Senhora da Paz”, também em barro policromado, obras realizadas para a Igreja Nossa Senhora de Fátima em Lisboa. Foi ainda autora da medalha comemorativa do Cinquentenário da Igreja. Em 1968 envia para Damasco (Síria) a imagem do Anjo de Portugal em pedra mármore.
“Uma merecida homenagem quando perfaz 120 anos do nascimento de Maria Amélia Carvalheira e 20 anos da inauguração do Jardim com o seu nome,” adianta a junta de freguesia das Avenidas Novas.
Segundo o presidente da JFAN, Daniel Gonçalves, Maria Amélia Carvalheira “morou durante mais de 60 anos na Avenida João Crisóstomo e tem um dos conjuntos mais importantes das suas esculturas, exposto aqui mesmo na Igreja de Nossa Senhora de Rosário de Fátima”.
“Inaugurar esta estátua, da autoria de Carlos Bajouca, é mais um marco para consolidar a memória da artista que renovou a iconografia sacra que fez parte do nosso imaginário. As suas esculturas podem ser apreciadas também no Santuário de Fátima, onde tem especial destaque as que retratam as aparições dos pastorinhos”.
Apostar na Cultura
Maria Amélia Carvalheira nasceu em setembro de 1904 em Gondarém, no município de Vila Nova de Cerveira. Já em Lisboa, foi aluna do Mestre Barata Feyo, tendo com ele aprendido a arte de esculpir.
“Enquanto mulher, artista e pessoa devota, é um exemplo para todos nós”, considerou Daniel Gonçalves, salientando que a JFAN continua “a investir na cultura, porque é este setor que nos engrandece enquanto comunidade. Investir no trabalho dos artistas é uma missão importante e tenciono levá-la comigo até ao final do mandato”.
Ao Olhares de Lisboa, o autarca sublinhou que esta escultura de homenagem a Maria Amélia Carvalheira surgiu após uma conversa com o escultor Carlos Bajouca, e “nada melhor do que homenagear Maria Amélia Carvalheira exatamente no local em que também já tem o seu nome num jardim”.
“É importante valorizar publicamente as pessoas que se foram”, acrescentou ainda Daniel Gonçalves, adiantando que está prevista a instalação de uma escultura de homenagem ao ator Vasco Morgado, junto ao Monumental, no Saldanha.
“Eu valorizo muita a Cultura e a Cultura é fundamental, os jovens têm que saber o que é a cultura”, disse ainda o presidente da JFAN, destacando alguns projetos, tais como o Avenidas Hot Jazz, entre outras iniciativas culturais.
Maria Amélia Carvalheira ganhou, em 1949, o Prémio de Artes Plásticas “Mestre Manuel Pereira” com a obra ‘São João de Deus’, sendo que, em 1951, participou na ‘I Bienal de São Paulo’, no Brasil, com um baixo-relevo representando ‘São Lucas’, em bronze. 41 anos depois, em 1992, realizou uma exposição na Igreja de Nossa Senhora de Fátima comemorativa dos 50 anos de Escultura de Arte Sacra.
Condecorada por Mário Soares em 1992
Em 1994, realizou uma exposição no Centro Cultural de Belém (CCB), no âmbito do Ano Internacional da Família, intitulada “A Sagrada Família na obra de Maria Amélia Carvalheira”, tendo participando ainda em muitas outras exposições, não só em Portugal, como também no Brasil e Moçambique. Dada essa passagem por outros países, é possível ver, nos quatro cantos do mundo, a sua obra exposta.
A escultora viveu mais de 60 anos nas Avenidas Novas, tendo falecido na freguesia em 1998, aos 94 anos.
Para o Patriarca de Lisboa, D. Rui Valério, “a inspiração começa logo por reconhecer que todas as expressões, todos os acontecimentos que se relacionam com a verdade, com a beleza e com o bom são proveniência do próprio Deus. E é nessa medida que a nossa querida irmã, a escultora Maria Amélia Carvalheira, é acolhida por nós nesta grandeza de generosidade e de gratidão como um dom de Deus à cultura portuguesa, mas também à Igreja e sobretudo à expressão viva e estética, daquilo que é a nossa Fé”.
“Este momento assinala, por um lado, o quanto nós desejamos que esta obra seja como foi toda a obra da nossa irmã Maria Amélia. Ou seja, uma inspiração e a capacidade de colocar Deus ao nosso lado no contexto da nossa vida quotidiana”.
Segundo D. Valério, “estamos numa praça, que é um lugar de passagem, mas também um lugar de encontro. E é tão belo como uma obra tão inspiradora tem como sua grande meta e seu grande horizonte uma interpelação e um apelo, que é aquele milagre, aquela capacidade de fazermos acompanhar a nossa união, a nossa ligação, a nossa comunhão com Deus”.
“Por isso, imploramos a bênção divina sobre este monumento, destinado a fazer memória de Maria Amélia Carvalheira serva do Senhor, para que os todos que os passarem neste lugar, contemplando este monumento, dela se recordem e aprendam a conciliar a sabedoria e a arte humana com a verdade e perfeição do Evangelho”, acrescentou o Patriarca de Lisboa.
Para além de D. Rui Valério, esta homenagem contou também com a presença do Núncio Apostólico Ivo Scapolo, do cónego Luís Alberto, da Igreja de Nossa Senhora de Fátima, e ainda do Padre Faustino, da Igreja de São Sebastião da Pedreira, do responsável pelo espólio da escultora, José Cruz, e ainda do autor da escultura, Carlos Bajouca, que tem o seu Atelier no Centro Internacional de Escultura, em Sintra e integra inúmeras coleções particulares em Portugal e no estrangeiro.
Obra recorda ligação da artista com a religião
Carlos Bajouca tem um vasto trabalho exposto em espaços públicos como o Parque Eduardo VII, em instalações escolares em Sesimbra, clubes desportivos locais, estando ainda representado nos espólios da CPLP, Câmara de Sesimbra, Câmara de Aljezur, Fundação Afid, Fundação Ouro Negro e Casa de Angola.
De acordo com Carlos Bajouca, “todos nós sabemos que a Amélia Carvalheira foi uma senhora que foi nossa vizinha durante muitos anos, mas foi, acima de tudo, uma das maiores escultoras portuguesas da arte sacra”.
O escultor explicou que a sua obra, “inicialmente, era para ser um memorial, em que, em alto relevo, aparece a figura da pessoa que se quer homenagear”. No entanto, optou por se “fazer um memorial mais escultórico” e mais relacionado com “a simbologia que ela trazia”.
De um lado, a obra “simboliza Maria Amélia Carvalheira ajoelhada perante a cruz de Jesus Cristo”, em que, da parte de cima, existem umas rodas que “simbolizam a tomada do corpo de Cristo em forma de hóstia”. Em baixo, existe “um papiro, onde estão descritos alguns dos espaços mais importantes em que ela esta representada”, como por exemplo o Santuário de Fátima, ou as igrejas de São João de Deus, São João de Brito, e Nossa Senhora do Rosário de Fátima, ambas em Lisboa.
Artista desafiado pela JFAN
“Ela recebeu a Ordem de Mérito do Estado Português. Por isso, era comendadora”, prosseguiu o artista, ressalvando que, do lado esquerdo da obra, “quis simbolizar a asa do Anjo da Guarda, mas de uma forma diferente, uma vez que, em vez de trazer penas, traz folhas, o que significa um bocadinho de paz também”.
Aos jornalistas, o artista explicou ainda que a criação deste memorial “foi um desafio colocado pela JFAN. Inicialmente, era para ser um pequeno memorial, mas depois de conhecer profundamente a Amélia Carvalheira, decidi fazer uma escultura e partir para esse projeto, onde estão muitas das sensações que ela vivia enquanto escultora. O dr. José Cruz, que é quem toma conta de todo o acervo dela, permitiu-me conhecer melhor a Amélia Carvalheira e eu senti necessidade de pôr ali toda a simbologia que a inspirava a fazer o que fazia”.
“Maria Amélia Carvalheira partilha comigo muita coisa, morávamos na mesma zona, ela fazia escultura, eu faço escultura, a diferença é que ela era uma grande escultora de arte sacra, e sem dúvida nenhuma que era uma das maiores de Portugal nesse aspeto”, sublinhou Carlos Bajouca, lembrando que, ao contrário da artista, o seu trabalho “é mais surrealista, e, por isso, tentei enquadrar um bocadinho o meu trabalho com aquilo que ela era”.
”Por isso, mantive a imagem dela mais figurativa e desenvolvi um trabalho mais surrealista, onde ninguém se apercebe do ajoelhar da Maria Amélia Carvalheira perante a Cruz”. “Lisboa é uma cidade bela, precisamente pela quantidade de esculturas que embelezam a nossa cidade, a sensibilidade do artista tem a ver com aquilo que lhe é pedido, evidentemente nós pomos o nosso estilo e o que pensamos e sonhamos e fica em pedra”, concluiu o artista.