A Ajuda continua a ser um «bairro-aldeia» dentro de Lisboa dividido entre a tradição e a renovação. A reabilitação, tanto do edificado como dos espaços públicos, trouxe uma nova vida a este bairro alfacinha, que estava a definhar aos poucos e poucos.
Quando terminarem as obras no Palácio da Ajuda, que finalmente vão ser concluídas ao fim de três séculos, vai ser «um mimo» habitar ou trabalhar na freguesia da Ajuda. Esta é a opinião generalizada de moradores, comerciantes e das «gentes» que trabalham nesta freguesia, apontada como um dos locais «onde se realizaram as melhores obras de reabilitação do edificado e do espaço público» e onde, também, está a «acontecer» uma experiência inédita de Policiamento Comunitário no Alto da Ajuda, pela Policia Municipal.
O coração da freguesia ainda conserva muito da sua traça original e vive das relações de vizinhança. A regeneração urbana conseguiu preservar a história e a cultura desta freguesia alfacinha, relacionando a promoção da mobilidade pedonal, à preservação do carácter histórico e cultural e à melhoria das condições de vida dos seus habitantes.
Durante o dia, algumas das ruas estão desertas. «Este bairro estava a entrar numa decadência acentuada, sem evolução possível», diz um morador. Porém, houve investidores e proprietários que acreditaram no potencial da Ajuda, ao ponto de acreditarem que ela se pode tornar um dos ex-líbris de Lisboa, salienta o arquiteto José Manuel e, devido a isso, «tem aumentado a procura de habitação na área, porque, como noutros bairros, a oferta não abunda.
Aliás, o interesse pelo bairro aumentou. «Acho muito bem que venham estrangeiros para cá e até acho que deviam vir mais, é bom para o comércio», diz o proprietário da Taberna da D. Rosa, no Largo da Paz.
Na Ajuda, refere a D. Lourdes, uma moradora da Calçada do Galvão, «ainda se consegue um bom equilíbrio entre viver bem e dentro da cidade de Lisboa». Afinal, ainda é uma das «zonas calmas» da capital. Como adianta, o arquiteto José Manuel, este é o retrato possível de um bairro em mudança, que alguns consideram um diamante por lapidar.
As obras de reabilitação do espaço envolvente à Igreja da Memória e do largo da Paz, bem como os projetos habitacionais para a Calçada da Ajuda e a recuperação de muito do edificado, trouxe uma nova dinâmica ao bairro que, em poucos anos, «rejuvenesceu» e conseguiu «fugir à decadência» que já se fazia sentir, nunca esquecendo que a «paisagem social e cultural da Ajuda tem sido marcada pela diversidade e por um crescente pluralismo cultural e social, com muitos estrangeiros a procurarem habitação na freguesia», recorda o arquiteto.
«O bairro está-se a transformar e, como todos os bairros em transformação, tem coisas boas e coisas más, a mudança faz parte», explica, salientando que no bairro ainda «se deixa as chaves ao vizinho para o caso de suceder alguma coisa». Pois, «ainda há relações de confiança e de proximidade, o que é muito bom».
Real Barraca da Ajuda em vias de ser concluída
Por outro lado, como fazem questão de salientar comerciantes e moradores do bairro, a conclusão da ala poente do palácio da Ajuda que terminarão assim o palácio inacabado ou Paço de Nossa Senhora da Ajuda, ao fim de mais de três séculos, vai criar «nova dinâmicas» na freguesia e implicará, também, a reabilitação do Torre do Galo e de toda a zona envolvente.
Iniciado no fim do século XVIII (1795) para substituir a Real Barraca de D. José I, o Palácio da Ajuda consubstancia as transformações, a maioria da responsabilidade de privados, que a freguesia tem vindo a sofrer e que tem sido muito positivas para o comércio que, agora, como os restantes sectores de atividade económica, está a atravessar uma grave crise económica, provocada pela pandemia do Covid-19.
Gabriela Santos, nascida e criada na Ajuda, onde ainda vive, vê com otimismo as transformações que a Ajuda tem vindo a sofrer. «Acho muito bem que venham estrangeiros para cá e até acho que deviam vir mais, é muito positivo para o comércio. Sinto que o bairro está mais evoluído e já se começa a ver mais gente», afirma.
Centro comercial a céu aberto na Travessa da Boa Hora
No entanto, à semelhança dos comerciantes da Travessa da Boa Hora à Ajuda, D. Gabriela diz ter saudades dos vendedores de rua que animavam e traziam gente à Travessa. «A feira é aquilo de que tenho mais saudades. Acho que, agora, se a Junta de Freguesia criar mais atividades para a Travessa da Boa Hora, isto poderia arrebitar um bocadinho».
A Travessa da Boa Hora, outrora conhecida por «rua da praça», por receber vendedores ambulantes, poderia transformar-se num grande Centro comercial a céu aberto, defendem comerciantes e vendedores, recomendando a quem de direito, nomeadamente a Junta de Freguesia, que realizem iniciativas que «levem as pessoas à Travessa».
«Na rua da praça, parecia uma festa. Quase não se conseguia andar lá. Vinha cá muita gente de propósito, à procura de artigos específicos. Agora, o comércio de rua desapareceu», comenta o lojista Domingos Ribeiro, reformado da Guarda Nacional Republicana (GNR).
«Hoje, temos clientes diferentes. Faço uma venda agressiva e aposto numa boa montra, porque só assim vou conseguindo atrair mais pessoas. Quem vem aqui são essencialmente turistas, porque os portugueses vão todos para as lojas chinesas. Os jovens foram obrigados a sair daqui, por causa do aumento das rendas», acrescenta o antigo militar da GNR.
Uma praça em cada bairro
Entretanto, foi concluída a intervenção no Largo da Boa-Hora, no âmbito do programa “Uma Praça em Cada Bairro”, o que permitiu uma maior segurança rodoviária, com novas zonas de circulação e estacionamento e áreas de estadia.
Por outro lado, e também enquadrado nas intervenções de reabilitação da Ajuda, encontra-se em construção a Unidade de Saúde Familiar. Com data prevista de abertura para o último trimestre de 2021, este novo equipamento, além dos cuidados de saúde primários, terá consultas de medicina dentária, nutrição, saúde materno-infantil, análises e outros exames de diagnóstico.
Policiamento comunitário chega à Ajuda
Alguns problemas de segurança registados na freguesia levaram a Polícia Municipal de Lisboa a alargar o Policiamento Comunitário ao Alto da Ajuda, o oitavo local em Lisboa a adotar este modelo.
Iniciado no final do mês de junho, este projeto está a ser desenvolvido no Bairro Casalinho da Ajuda, Bairro 2 de Maio e na área circundante ao Polo Universitário.
O Grupo Comunitário de Prevenção e Segurança do Alto da Ajuda – constituído por moradores e entidades com intervenção no território – constituiu-se em abril de 2019 com a missão de planear, em conjunto com a Polícia Municipal, um projeto de Policiamento Comunitário no território.